Disputa em licitação deixa incerto fim das obras no rio São Francisco

Daniel Rittner

04/03/2017

 

 

Uma licitação crucial para levar as águas do projeto de transposição do rio São Francisco ao Ceará e ao Rio Grande do Norte está com desfecho incerto. O consórcio que fez a melhor proposta financeira para executar as obras remanescentes no eixo norte do projeto deve ser desclassificado pelo Ministério da Integração Nacional por descumprimento de um item exigido no edital e pretende recorrer em todas as instâncias.

A abertura de uma disputa administrativa e judicial em torno da concorrência pode comprometer o cronograma desejado pelo governo. O plano era levar as águas do São Francisco ao reservatório de Jati (CE) em agosto e ajudar no abastecimento da região metropolitana de Fortaleza, que vive uma grave crise hídrica.

Um consórcio formado pelas construtoras Passarelli, Construcap e PB Construções ofereceu 23% de deságio e desbancou outros seis concorrentes na licitação. O orçamento de referência chegava a R$ 574,3 milhões, mas o grupo se dispôs a executar os serviços por R$ 442,1 milhões.

Implicada na Lava-Jato e em recuperação judicial, a empreiteira Mendes Júnior abandonou os canteiros em um dos três trechos do eixo norte na reta final de construção. O governo se viu forçado a sair em busca de substitutos para a conclusão das obras.

Em nota técnica, o ministério alega que as empresas do consórcio não comprovaram experiência na montagem e instalação de estação elevatória das águas com pelo menos um conjunto de motobombas e vazão mínima de 7 metros cúbicos por segundo.

O consórcio já havia contestado essa exigência, apresentando um pedido de impugnação do edital, que foi considerado improcedente pela comissão de licitação. Para o ministério, há “alta relevância técnica” na exigência.

O presidente da Passarelli, Hugo Passarelli Scott, rebate a interpretação oficial e argumenta que um laudo técnico do consórcio demonstrou experiência prévia em um sistema de complexidade similar ou superior: um conjunto de quatro bombas na hidrelétrica de Pitinga (AM), com vazão de 10 m3 /s cada, totalizando 40 m3 /s.

Segundo ele, o item representa apenas 0,75% do orçamento de referência do ministério. Além disso, o empresário destaca a economia para o erário com a proposta do grupo na licitação.

Passarelli explica que foi possível chegar a um desconto maior do que os concorrentes porque sua empreiteira e a PB Construções já atuam em um lote do Cinturão das Águas, no Ceará, que tem mais de 90% das obras executadas. Por isso, as empresas já dispõem de equipamentos e mão de obra nas proximidades. Graças à sinergia, conseguiram ser mais ousadas. “O nosso canteiro está montado e estamos prontos para iniciar rapidamente o contrato.”

A Construcap foi responsável por dois túneis hidroviários no projeto de transposição que somam 19.272 metros de extensão.

César Pereira, advogado do consórcio, considera que não há “sentido nenhum” na alegação do ministério e entregará um pedido de reconsideração no âmbito administrativo. Ele reconhece que poderá levar o caso à Justiça se o primeiro recurso não surtir efeito. “Só esperamos que isso não seja necessário”, diz Pereira.

Para o ministro da Integração Nacional, Helder Barbalho, as reclamações do consórcio “causam estranheza” porque sequer houve um julgamento definitivo sobre sua eventual desabilitação.

O ministro lembra que o grupo já havia feito, sem sucesso, pedido de impugnação ao contestar as mesmas especificidades do edital. Segundo ele, a consultoria jurídica da pasta e a Advocacia-Geral da União (AGU) veem essa licitação como prioritária e estão a postos para impedir qualquer prejuízo ao cronograma da obra, mas cumprindo todas as etapas do processo de concorrência. “Não podemos suprimir nenhum rito.”

Em novembro, ao discutir a urgência da licitação com o Tribunal de Contas da União (TCU), Barbalho considerou a possibilidade de contratação emergencial direta caso o certame fosse judicializado. Ele foi acompanhado pelo governador do Ceará, Camilo Santana (PT), que relatou a gravidade da crise hídrica no Estado

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4207, 04/03/2017. Brasil, p. A2.