Reforma ameaça a aposentadoria rural

Fabio Graner e Edna Simão

04/03/2017

 

 

A proposta de reforma da Previdência Social que o governo enviou ao Congresso Nacional pode empurrar os trabalhadores rurais do sistema de previdência para o de assistência social. Com uma exigência maior de contribuição para ter direito à aposentadoria, fontes de dentro e fora do governo reconhecem que há risco de esses trabalhadores não conseguirem cumprir os requisitos mínimos e terem que pedir o Benefício de Prestação Continuada (BPC).

Uma fonte do governo reconheceu o risco de migração de trabalhadores rurais da aposentadoria por idade para o BPC, mas ponderou que a ideia é que, uma vez aprovada a reforma, sejam feitas campanhas de conscientização dos trabalhadores rurais sobre a importância de contribuir.

O interlocutor explica que tal campanha visa mostrar que o sistema previdenciário é maior do que simplesmente pagar aposentadorias e conta com outros elementos de segurança que só o trabalhador que contribui tem direito, como auxílio-doença e acidente e pensão por morte. "Nós vamos ter que fazer uma conscientização e mostrar os benefícios que a Previdência tem", disse a fonte.

Pela legislação atual, a aposentadoria por idade pode ser solicitada por homens com 65 anos e mulheres com 60, desde que tenham feito 15 anos de contribuição para a Previdência Social. O trabalhador rural, assim como pescador artesanal e indígena, é considerado um segurado especial e tem a idade mínima reduzida em cinco anos.

Para conter a expansão das despesas previdenciárias, a proposta de reforma do governo prevê a fixação de uma idade mínima de aposentadoria de 65 anos para homens e mulheres com a exigência de um tempo de contribuição de 25 anos. Também serão unificadas as regras para solicitação do benefício por trabalhadores da iniciativa privada e setor público. No caso do BPC, a idade mínima exigida para pleitear o benefício deverá saltar de 65 anos para 70 anos. Além disso, o valor do benefício deixará de vinculado ao salário mínimo, aumentando o risco de perda de valor ao longo do tempo.

O ex-diretor do Banco Central e consultor independente Carlos Eduardo de Freitas está estudando a reforma da Previdência e considera que, de fato, há esse risco. Ele é crítico do formato que o governo mandou o projeto, porque não está explicitado que o projeto faz com que o trabalhador urbano seja sobrecarregado e banque o elevado déficit na previdência rural.

Para Freitas, a reforma deveria tratar separadamente os dois grupos. No caso da previdência rural, o entendimento dele é que deve haver dois grupos, aqueles que conseguem contribuir (e no qual os empregadores teriam uma contribuição mais severa), que migrariam para ficar no mesmo regime dos urbanos e ficariam em um sistema previdenciário equilibrado. Aqueles que não querem ou não podem contribuir seriam direcionados para o BPC, diluindo o financiamento com toda a sociedade e não só com os trabalhadores formais urbanos, em especial os da classe C, que devem ser os mais atingidos pela reforma.

"A opção de colocar toda a conta do rural na previdência urbana não foi colocada de forma clara para a sociedade decidir. Há uma cortina de fumaça", disse. "Se o governo quer fazer isso, é preciso explicitar. Não está claro o jogo, as cartas não estão na mesa", criticou.

O professor da Universidade de São Paulo (USP) Luís Eduardo Afonso afirmou que a proposta encaminhada pelo governo de fixar uma idade mínima maior para o BPC em relação à que será solicitada para aposentadoria possibilita uma diferenciação entre um trabalhador que contribui para a Previdência da pessoa que está recebendo benefício assistencial.

Afonso concorda que o governo precisa investir na divulgação sobre o que é a Previdência Social e quais benefícios que oferece para estimular os trabalhadores continuarem fazendo contribuições previdenciárias. "É preciso mostrar a população, principalmente a mais pobre, que é vantajoso continuar contribuindo para Previdência Social. A Previdência Social oferece benefícios que você não encontra no mercado privado."

Por enquanto, as mudanças propostas pelo governo para aposentadoria do trabalhador rural e também do BPC são alvo de críticas de parlamentares que integram a Comissão Especial da Câmara que analisa o tema e podem ser alteradas. No caso específico do BPC, já foram apresentadas emendas para impedir que o benefício seja desvinculado do salário mínimo e contra a idade mínima de 70 anos.

Mas técnicos do governo chamam a atenção que essas despesas vêm crescendo num ritmo acelerado e é preciso fazer mudanças para que as contas tenham sustentabilidade no médio e longo prazos. No ano passado, foram destinados quase R$ 49 bilhões para atender 4,4 milhões de pessoas pelo BPC. Em 2011, essa despesa era de R$ 28 bilhões para 3,5 milhões de pessoas. As despesas da aposentadoria rural também vêm subindo sistematicamente. No ano passado, segundo dados do Tesouro Nacional, chegaram a R$ 111 bilhões.

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4207, 04/03/2017. Brasil, p. A4.