ENTREVISTA - Otaviano Canuto

Juliano Basile

14/03/2017

 

 

A recessão está gerando milhões de novos pobres no Brasil, mas, assim que o nível de desemprego cair, o país terá uma massa de jovens qualificados mais preparada para voltar ao mercado de trabalho. A avaliação é do economista Otaviano Canuto, diretor-executivo do Brasil no Banco Mundial (Bird).

A estimativa da instituição é que o país terá entre 2,5 milhões e 3,6 milhões de novos pobres desde o início da recessão, em 2015, até o fim deste ano. Serão 28,3 milhões de pessoas vivendo em condições de pobreza extrema ou moderada, caso haja crescimento econômico neste ano entre 0,5% e 1%. Na hipótese de a recessão continuar, com PIB negativo até o fim de 2017, serão 30,3 milhões de pobres.

Segundo Canuto, os novos pobres do Brasil são, em maioria, jovens que têm qualificação para trabalhar. "O lado bom é que, quando a economia se recuperar, eles terão mais possibilidade de encontrar oportunidades no mercado de trabalho, pois são mais escolarizados. Os ganhos que tivemos com a redução da pobreza neste milênio não foram embora", afirmou.

A expectativa dele é que as empresas retomem as contratações na segunda metade deste ano, após um processo de redução de dívidas e perspectivas melhores de investimentos. A seguir, os principais trechos da entrevista:

 

Valor: O Banco Mundial está mensurando o impacto da recessão nas classes menos favorecidas no Brasil?

Otaviano Canuto: Procuramos fazer mensurações sobre esses impactos. O Banco Mundial já tinha destacado que a queda da pobreza no Brasil no milênio teve muito a ver com a incorporação rápida de pessoas no mercado de trabalho. A taxa de desemprego era de 11% em 2004 e foi a 5% em 2013. Isso foi obtido levando em conta a transição demográfica, com mais pessoas no mercado de trabalho.

 

Valor: Os programas sociais ajudaram nesse processo?

Canuto: O Bolsa Família foi fundamental na base da pirâmide, entre os extremamente mais pobres. Mas, no total, não foi o Bolsa Família. Foi a dinâmica do mercado de trabalho. E ela se deu inclusive com uma demonstração de melhora no grau de escolaridade. Não foi sequer a melhora da qualidade da educação, mas o simples aumento no grau de escolaridade. Isso é visível quando se verifica as faixas etárias e se vê que os mais jovens têm mais grau de escolaridade do que os mais velhos. Então, o aumento de escolaridade com a incorporação de gente no mercado formal e a dinâmica populacional explicam em grande medida o crescimento fenomenal da renda na base da pirâmide no Brasil. Enquanto o PIB estava crescendo 4,5% na média do país, entre 2004 e 2013, a base da pirâmide estava crescendo em 7% ao ano, uma taxa chinesa. A dificuldade é que isso não é sustentável para sempre. E na medida em que entramos na crise, essa dinâmica é revertida e parte daqueles ganhos que ocorreram no período são encolhidos.

 

Valor: Teremos um crescimento forte no número de pobres?

Canuto: Quando o fator de sucesso, o mercado de trabalho, entra em pane, o efeito é trazer parte das pessoas que subiram para baixo. Não é por acaso que o Banco Mundial fala em novos pobres.

 

Valor: Quem são esses novos pobres?

Canuto: São os que mais ganharam no período anterior. São os jovens que se educaram em melhor nível e, agora, estão encontrando dificuldades. O lado bom é que, quando a economia se recuperar, eles terão mais possibilidade de encontrar oportunidades no mercado de trabalho, pois são mais escolarizados. Os ganhos que tivemos com a redução da pobreza neste milênio não foram embora.

 

Valor: Qual é a estimativa de novos pobres no Brasil?

Canuto: Há dois cenários. Devemos ter entre 2,5 milhões e 3,6 milhões de pessoas caindo para baixo da linha de pobreza, que é de R$ 140 por mês.

 

Valor: Elevar os investimentos em programas sociais pode ajudar a reduzir a pobreza?

Canuto: O desemprego está afetando os jovens, e não os recebedores do Bolsa Família. Mas o Banco Mundial sempre considerou o Bolsa Família como um programa de custo eficaz e que serve como exemplo para outros países. O programa tem um papel importante de reduzir a pobreza para os segmentos mais vulneráveis.

 

Valor: Como o sr. considera as perspectivas de PIB do Brasil?

Canuto: Há sinais claros de uma recuperação lenta. O crescimento do PIB neste ano deve ficar entre 0,5% e 1%. Em grande medida, essa estatística será influenciada pelo efeito do mau desempenho na segunda metade do ano passado. A queda do PIB, após uma recessão que começou em meados de 2014, não será recuperada no curto prazo, mas há sinais de que a recuperação está começando.

 

Valor: Quais fatores explicam essa recuperação lenta?

Canuto: O primeiro é o desemprego que puxa para baixo, porque inibe o consumo e reage ao que acontece nos demais setores da economia com uma defasagem. Tanto que o desemprego começa a evoluir alguns trimestres depois da recessão. As empresas não desempregam pessoas imediatamente. Mas isso também as leva a demorar um pouco na recontratação. O segundo fator que impõe cuidado na recuperação é o grau de endividamento. Isso tem sido um dos fatores a explicar a demora na resposta no ano passado. Houve um ciclo de endividamento de empresas a partir de 2008 além que seria natural, por conta do otimismo, no governo Dilma, com o BNDES e o crédito vinculado.

 

Valor: Esse endividamento ainda é preocupante?

Canuto: Não se trata de situação pré-falimentar. Não é situação de crise. Parte do endividamento empresarial foi junto a fontes domésticas, e não externas. Muitas empresas aproveitaram os momentos de suavização e, de 2013 para cá, alongaram o perfil das dívidas. A recuperação dos preços das commodities no ano passado e neste ano fez com que empresas que têm casamento entre dívida em dólar e commodities tivessem uma suavização dessa dívida. Não é que o parque industrial tenha se livrado do endividamento, mas ele não só esteve longe de uma crise aguda como isso tem afetado negativamente a disposição de apostar em fazer investimentos que antecipem o que já veem da situação brasileira. Isso é importante para explicar a melhora brutal nos fatores de risco, na confiança dos mercados financeiros, conforme expresso nos valores na bolsa e nos investimentos. As empresas ainda estão cautelosas e num momento de redução do nível de dívida.

 

Valor: Quando as empresas vão voltar a contratar?

Canuto: A aposta é para o segundo semestre. Mas isso depende do grau de ajustamento patrimonial que permita às empresas voltar a investir. Uma boa aposta é que o desemprego comece a cair com força na segunda metade do ano.

 

Valor: O investimento externo deverá ajudar nesse processo?

Canuto: As estatísticas recentes de investimento externo foram surpreendentes. Mas o salto ocorrerá quando houver confiança na estabilidade do arcabouço na infraestrutura. Isso depende do governo. Parte do ajuste regulatório já está acontecendo. É fantástico o que está ocorrendo com a Petrobras, a Eletrobras, a nova Lei das Estatais, o novo marco do pré-sal. Já começamos a assistir a manifestações de ingresso de capital. Agora, teremos concessões de rodovias, de ferrovias e assim por diante.

 

Valor: Ajustar as contas e fazer as reformas será essencial para a volta dos investimentos?

Canuto: A reforma da Previdência é fundamental por dois motivos. Primeiro, será um modelo que vai servir para os Estados. Segundo, aprovamos a PEC dos gastos. É uma camisa de força, mas precisa de uma amarra. Ela precisa da reforma da Previdência, mas não só dela. A reforma da Previdência é central. A Previdência caminha para a inviabilidade. Dada a estrutura etária, a evolução demográfica, a carga de benefícios e as regras sobre antecipação de aposentadoria, os gastos tendem a subir num ritmo tal que, se for para pagar a Previdência, o governo não terá dinheiro para mais nada, nem estradas, nem aposentadoria. Não há como fugir de uma reforma que reduza o ritmo de expansão dos gastos.

 

Valor: Reduzir o protecionismo no Brasil também pode ajudar a atrair investidores?

Canuto: O Brasil é um dos países mais fechados tanto na América Latina quanto nos Brics. É fechado quando você mede por volume de exportações e importações como proporção do PIB. É fechado comercialmente com tarifas, regras de conteúdo local, características de negócios que protegem o local em referência ao externo. O Brasil não é fechado na maioria dos setores ao investimento direto externo. Mas como esse vem ocupar mercado protegido, adota comportamento igualzinho ao nacional. Acaba trabalhando como se fosse em economia fechada.

 

Valor: Companhias estrangeiras adotam padrões menores de competição no Brasil?

Canuto: O Brasil é um país em que a concorrência dentro dele é muito aquém do que poderia ser. Há mecanismos de proteção, subsídios. Há vários fatores que fazem com que empresas ineficientes que conseguem escapar de serem engolidas recorram a estratagemas para fugir da concorrência. O país tem uma estrutura produtiva em que não se investe como poderia.

 

Valor: Agora, o país está querendo se abrir num momento em que o mundo está se fechando.

Canuto: Infelizmente, perdemos oportunidades. É pena que o cenário externo menos amigável à abertura não nos permita derivar ganhos, como seria o caso se tivéssemos embarcado em momentos adequados.

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4213, 14/03/2017. Brasil, p. A4.