Lula diz ter renda de R$ 50 mil e nega ter atuado com Delcídio

Murillo Camarotto

15/03/2017

 

 

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi pego de surpresa na primeira pergunta dirigida a ele no depoimento realizado ontem na 10ª Vara Federal de Brasília. Questionado pelo juiz Ricardo Soares Leite sobre sua renda mensal, Lula estimou em R$ 50 mil, mas teve dificuldades para detalhar todas as fontes de receita.

De acordo com o ex-presidente, entram na sua conta todos os meses pouco mais de R$ 6 mil referentes à aposentadoria concedida às pessoas beneficiadas pela anistia política. Outros R$ 30 mil viriam de rendimentos da Lils, empresa de palestras de Lula. O restante para completar os R$ 50 mil não entrariam diretamente na conta do ex-presidente, porque iriam para doações que faz aos filhos.

Ao perceber que a conta não fechava, o ex-presidente se comprometeu a encaminhar posteriormente os números detalhados ao juiz. A assessoria de imprensa do Instituto Lula também não esclareceu os valores. Informou apenas que o ex-presidente já teve o sigilo bancário quebrado pelo Coaf.

O depoimento, que durou 50 minutos, faz parte do processo que investiga um suposto complô armado para impedir a delação premiada do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró. Lula foi acusado pelo ex-senador Delcídio do Amaral de ter participado da trama, que resultou na prisão de Delcídio e do banqueiro André Esteves - ambos já libertados.

Questionado pelo juiz, Lula negou qualquer participação no episódio e disse que Delcídio "contou uma inverdade". Ele lembrou que o ex-senador tinha relação com Cerveró desde o governo Fernando Henrique Cardoso. "O depoimento do Cerveró era um problema para o Delcídio, que tem uma convivência com ele ainda no governo anterior", disse Lula ao juiz.

O ex-presidente insinuou que Delcídio pode tê-lo citado para valorizar a própria delação premiada. "Certamente, depois de preso por alguns dias as pessoas começam a encontrar um jeito de sair da cadeia e resolvem jogar a culpa em cima dos outros", disse.

Lula admitiu, entretanto, que se reuniu com Delcídio por diversas vezes, em Brasília e em São Paulo, e que os dois falaram sobre as investigações da Lava-Jato. "Doutor, da Lava-Jato, hoje, no Brasil, a gente fala no café, no almoço, na janta e ainda depois da novela", afirmou o ex-presidente.

Na versão de Delcídio, o interesse de Lula no silêncio de Cerveró era explicado pela intenção de preservar o empresário José Carlos Bumlai, amigo do ex-presidente. Segundo Cerveró, Bumlai intermediou em 2004 um empréstimo fraudulento de R$ 12 milhões com o banco Schahin. O dinheiro tinha como destino final o PT. Em setembro do ano passado, o juiz Sérgio Moro condenou Bumlai e Cerveró por lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta e corrupção passiva e ativa.

Questionado sobre a suposta proteção a Bumlai, o ex-presidente disse que a tese é "absurda".

No início e no final do depoimento, Lula fez longos desabafos. Defendeu o legado dele e do PT, se disse vítima de um massacre midiático e relatou estar cansado de acusações sem provas. Apesar disso, Lula disse que é favorável à Lava-Jato e que deseja que a operação "vá fundo".

"Tem gente que acha que eu sou contra a Lava-Jato. Pelo contrário, quero que a Lava-Jato vá fundo, para ver se acaba com a corrupção. O que eu sou contra é tentar criminalizar as pessoas pela imprensa e não pelos autos do processo", afirmou Lula, que se queixou do volume de noticiário negativo a seu respeito e destacou sua posição nas pesquisas de intenção de voto para a próxima eleição presidencial. "Vou matá-los de raiva, porque em toda pesquisa vou aparecer na frente".

Após o depoimento, o procurador Ivan Cláudio Marx disse que o depoimento do ex-presidente foi "dentro do esperado". Encerradas as oitivas, o processo entra agora na fase de diligências, que serão seguidas pelas alegações finais. Só depois disso é que será proferida a sentença. Além de Lula e Delcídio, são réus os empresários José Carlos Bumlai e Mauricio Bumlai, o banqueiro André Esteves, o advogado Edson Ribeiro e o ex-assessor de Delcídio, Diogo Ribeiro.

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4214, 15/03/2017. Política, p. A8.