Valor econômico, v. 17, n. 4221, 24/03/2017. Brasil, p. A2

Para defender ajuste fiscal, Brasil vota contra resolução em conselho da ONU

Por: Assis Moreira

 

O Brasil votou ontem pela primeira vez contra uma resolução no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, sinalizando por tabela ao mercado que o ajuste fiscal no país é sério e não atua contra os direitos humanos. A postura brasileira chamou atenção, mas o sentimento entre alguns negociadores na cena diplomática em Genebra é de que não restou alternativa a Brasília diante da "saia justa" colocada por Havana ao governo de Michel Temer.

O projeto apresentado por Cuba aos outros 46 membros do conselho renova o mandato de um relator independente da ONU para tratar "dos efeitos da dívida externa e outras obrigações financeiras internacionais no total desfrute de direitos humanos".

Ocorre que, no meio do texto, o projeto de Cuba diz que os países reconhecem que "programas de ajustes estruturais e políticas de condicionalidades limitam gastos públicos, impõem tetos de despesas e dão atenção inadequada à provisão de serviços sociais, e somente alguns países conseguem alcançar um crescimento sustentável mais alto sob esses programas".

Esse parágrafo foi interpretado como endereçado por Cuba contra o governo Temer, que alguns observadores habituais do Conselho da ONU chamaram de "armadilha diplomática". O Brasil procurou reverter essa parte do texto nas negociações. Como não foi possível, decidiu votar contra.

Ao justificar o voto, a embaixadora brasileira junto às agências da ONU em Genebra, Maria Nazareth Farani de Azevêdo, destacou que o texto colocava algumas questões sem relação com o mandato do relator, de "uma maneira desequilibrada e parcial, contrapondo-se a elementos centrais da atual política econômica no Brasil, sobretudo o esforço para reequilibrar as contas e assim preservar políticas sociais no país".

A mensagem do governo Temer foi de que ajuste fiscal é necessário para continuar e aprofundar as políticas sociais. Ou seja, ajuste fiscal trabalha em favor dos direitos humanos e não o contrário, como diz Cuba.

A representante brasileira disse no discurso que a expansão dos gastos públicos nos níveis observados nos anos anteriores, em referência aos governos Lula e Dilma, "não garantiria progresso social no Brasil". Afirmou que, pelo contrário, a estrutura da despesas públicas não seria sustentável, "com efeitos desastrosos sobre a economia, o que colocaria em risco vantagens sociais que buscamos salvaguardar".

A resolução cubana foi aprovada por 31 a 16. O Brasil até então na história do Conselho de Direitos Humanos da ONU só tinha votado a favor, ou optado pela abstenção, nas resoluções desse conselho. Também entre os que votaram contra estavam Portugal, dirigido por um governo socialista e que continua implementando reformas importantes, e países desenvolvidos como Alemanha, Holanda e Estados Unidos.

Entre os que votaram a favor, ao lado de Cuba, estavam aliados do grupo dos Brics, como China, Índia e África do Sul, além de Bolívia, Equador, El Salvador e Paraguai. A resolução não é obrigação internacional, mas é orientação dentro do Conselho de Direitos Humanos, tentando induzir os países nessa direção. Em Brasília, o governo Temer reiterou que quer colocar as contas em ordem, com responsabilidade fiscal aliada à responsabilidade social.

Para Camila Lissa Asano, da ONG Conectas Direitos Humanos, "a mudança de voto [do Brasil] deve ser tratada não só como um redirecionamento diplomático, mas como tentativa deliberada de impedir que os impactos das reformas econômicas sejam avaliados - e eventualmente criticados - pela ONU, sinal bastante preocupante de como o país deve se portar daqui para frente no órgão".