Valor econômico, v. 17, n. 4221, 24/03/2017. Opinião, p. A14

Uma política fiscal expansionista que contrai

Desoneração de bens duráveis foi pouco relevante para estimular atividade

Por: Celso Costa Jr. e Amanda Fantinatti

 

A eclosão da crise financeira internacional de 2008 colocou o uso da política fiscal novamente no radar dos formuladores de políticas econômicas. Segundo estimativa de Saha e Weizsacker (2009), o tamanho dos pacotes de estímulos adotados para combater a crise, somente em 2009, chegou a € 129,6 bilhões na zona do euro (ou 1% do PIB) e a € 186 bilhões (ou 1,7% PIB) nos EUA.

No Brasil, em 2009, foram adotadas medidas anticíclicas de desoneração tributária e aumento de gastos públicos que totalizaram cerca de R$ 12,5 bilhões (0,4% PIB) e R$ 30,9 bilhões (1% PIB), respectivamente (Pires, 2009). Dentre as medidas de desoneração tributária, o governo brasileiro - a exemplo do ocorrido na França, Alemanha, Inglaterra e EUA - adotou medidas para incentivar a compra de automóveis novos (desoneração temporária da alíquota do IPI sobre automóveis), visando a redução dos estoques desse setor que haviam aumentado expressivamente em virtude da queda da demanda.

Ao fim de março de 2009, o Ministério da Fazenda anunciou a manutenção da desoneração para o setor automotivo, que vigorava desde dezembro de 2008, assim como a ampliação para outros setores. De fato, esse mecanismo, inicialmente adotado por um trimestre, foi prorrogado por diversas vezes. A medida teve um efeito positivo em estimular novas vendas - principalmente após dezembro de 2008 e maio de 2012, época na qual a alíquota dos veículos mais "básicos" foi zerada. No entanto, as vendas de veículos novos cresciam a taxas decrescentes, devido a certa antecipação do consumo.

Dado o relato acima, medidas de estímulo fiscal em um único setor teriam resultados efetivos? Usaremos um exemplo para responder essa questão sob o olhar da teoria das finanças públicas. Suponha que as famílias consomem apenas leite e pão, e que uma unidade de trabalho é suficiente para produzir uma unidade de leite ou uma unidade de pão. O resultado ótimo é obtido quando a taxa que as famílias estão dispostas a trocar leite por pão igualar a taxa que a economia é capaz de transformar leite em pão.

Se não há tributação, a cesta de consumo das famílias possui nível máximo de satisfação. Contudo, imagine que apenas o consumo de leite seja tributado e que toda a receita fiscal seja devolvida às famílias por meio de transferência de renda. A imposição desse tributo faz com que o leite fique relativamente mais caro do que o pão, então, as famílias diminuem o consumo do primeiro bem e aumentam o consumo do segundo. Isso reduz a satisfação das famílias, pois a alteração do consumo relativo não teve origem em uma mudança de preferência, mas sim devido a uma modificação nos preços relativos.

Redução de imposto geral ou para bens não duráveis e serviços teria mais efeitos para reanimar a economia

Suponha agora que o pão também seja tributado pela mesma alíquota, isso restaura o preço relativo entre leite e pão, e a satisfação das famílias retorna ao nível de quando não há tributo. Resumindo, as economias sem tributação e tributando os dois bens com a mesma alíquota possuem nível máximo de satisfação, mas a economia que tributa apenas um bem, não.

Mas o resultado teórico acima teria alguma relação com a desoneração do IPI para bens duráveis pós-crise de 2008? Para responder essa questão, o estudo 'Política fiscal expansionista que contrai!' (disponível em: http://bit.ly/pfexpquecontrai) analisa o impacto específico dessa política fiscal expansionista utilizando um modelo DSGE de pequena escala.

O estudo inicia esta análise com a redução na alíquota do imposto indireto sobre bens duráveis na magnitude de 1 desvio-padrão. Esse choque aumenta a demanda por bens duráveis e a oferta deste bem responde positivamente. A desoneração desse imposto não foi suficiente para aumentar a renda disponível, as famílias ajustam o seu orçamento para compensar o aumento no consumo desse tipo de bem, e, assim, a demanda por bens não duráveis diminui. No agregado, nota-se que a queda na demanda por bens não duráveis mais que compensa o aumento na demanda por bens duráveis, resultando na queda do produto agregado.

Por outro lado, se o choque de política fiscal fosse uma redução da alíquota do imposto indireto para o setor de bens não duráveis, os resultados seriam distintos do anterior. Dada a relevância desse bem na cesta de consumo das famílias1, essa desoneração aumentaria a renda disponível, e dessa forma, as famílias elevariam o seu consumo total (consumo de bens duráveis e não duráveis), fato que torna o crescimento do produto agregado positivo.

A decomposição dos choques mostra que a desoneração do imposto indireto sobre o consumo de bens duráveis teve pouca relevância para o desempenho do PIB por todo o período estudado (2002-2014), contribuindo com apenas 1,5% para a recuperação da crise, e em seguida colaborou negativamente no período do primeiro trimestre de 2010 até o quarto trimestre de 2011. Um outro período positivo teve início em 2012 e durou 9 trimestres, mas com uma amplitude ainda menor do que a anterior.

Resumidamente, a teoria das finanças públicas aponta que as famílias possuem maior satisfação quando o governo mantém a mesma alíquota tributária para todos os bens. Corroborando a teoria, os resultados do nosso estudo sugerem que a redução na alíquota do IPI sobre bens duráveis não foi uma política adequada para estimular a atividade econômica. Por outro lado, caso a política fiscal adotada tivesse sido uma redução na alíquota do imposto indireto para toda a economia ou para o setor de bens não duráveis e serviços (que detém uma participação maior na economia), o nosso trabalho sugere que essa política teria sido mais adequada para reanimar a economia brasileira.

1. A produção de bens não duráveis é cerca de 85% da produção total da economia brasileira (SILVEIRA, 2014).

 

Celso José Costa Junior é professor dos cursos master da Escola de Economia da FGV-SP, professor adjunto do Departamento de Economia da UEPG e autor do livro "Understanding DSGE models", Vernon Press, 2016.

Amanda Miranda Fantinatti é economista na RISI, mestre pela FGV-SP e bacharel pela FEA-USP.