Título: Cartas amistosas na ditadura
Autor: Luiz, Edson
Fonte: Correio Braziliense, 30/12/2011, Política, p. 5

Correspondências trocadas entre militares e religiosos mostram tentativa de diminuir o tom dos embates

Dois anos depois do golpe militar de 31 de março de 1964, igreja e governo travaram intensos embates em torno de temas políticos. Mas também havia sinais de que os dois lados pretendiam diminuir o tom. Uma troca de correspondências entre o clero e o então presidente Humberto Castelo Branco, ocorrida de agosto a setembro de 1966, mostra que o chefe da Nação não queria intrigas com os religiosos, mas não conseguia controlar outros militares, principalmente os do Nordeste.

Em São Paulo, Castelo Branco chegou a justificar ao cardeal Agnello Rossi os motivos que o levaram a transferir um dos generais da capital paulista para outra região. Os primeiros anos após o golpe de 1964 foram tumultuados no país, principalmente no campo político. O governo temia a eclosão de rebeliões, especialmente no Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Paraná.

Relatórios ultrassecretos confeccionados pelo regime à época mostram que o medo foi gerado em razão de os estados terem reforçado seu setor de segurança pública, preparando a Força Pública, de onde se originaram as polícias militares atuais. Mas a igreja também representava um problema para os militares, em especial à cúpula do poder. Castelo Branco negociava muitas vezes diretamente com os religiosos, como fez em agosto de 1966, quando esteve reunido com o clero.

Porém, o presidente da República não conseguia parar seus oficiais, que usavam de todos os artifícios para tentar desqualificar os religiosos. Isso acontecia com frequência no Nordeste, como ficou registrado em uma carta pessoal de D. Helder Câmara — então arcebisto de Recife e Olinda — a Castelo Branco, há 45 anos. "O encontro pessoal da tarde de domingo último pareceu-me cordial e deixou-me a impressão de que V.Excia realmente desejava pôr um termo à série de equívocos quem vem surgindo entre militares e bispos do Nordeste", escreveu D.Helder, que reclamava de declarações do presidente, dias depois da reunião. "O discurso de V.Excia, na manhã do dia 15 de agosto, parece-nos inamistoso, com indisfarçáveis e injustas alusões à declaração dos bispos", acrescentou o religioso.

Carta de Castelo Branco ao cardeal Agnello Rossi: justificativas

A correspondência pessoal de D. Helder mostrava também que a igreja trabalhava com o governo em alguns projetos, como relatara o religioso a Castelo Branco. "Injustas (as críticas do presidente) porque V.Excia sabe — mesmo sem aludir ao trabalho constante da igreja não só na ajuda aos necessitados, mas em ajuda ao desenvolvimento — que a Operação Esperança vem oferecendo colaboração a órgãos como a Sudene (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste) e a Cohab (Companhia de Habitação)", disse o arcebispo.

Dias antes da carta de D. Helder, o então arcebispo de Fortaleza, D. José de Medeiros Delgado, havia reclamado ao chefe da Nação a campanha difamatória que os militares do Nordeste faziam contra o religioso pernambucano.

Mesmo dizendo que esperava um desmentido da Secretaria de Imprensa da Presidência, o arcebispo de Recife e Olinda estava decidido a não levar o caso adiante, como escreveu na carta a Castelo Branco. "O desejo sincero de não agravar a delicada situação nacional leva-nos a relevar mais este equívoco, desta vez particularmente grave em vista de partir de V.Excia", encerrou o religioso.

Transferência Em carta anterior, citada por Castelo Branco, D. Agnello Rossi parecia reclamar de outros fatos, mas, assim como D. Helder, queria manter uma relação conciliadora com o presidente. A recíproca foi verdadeira, como ressaltou o chefe da Nação na correspondência. "As expressões de sua eminência, além de serem uma benção, mostram o seu elevado espírito conciliador. Sou, pois, muito reconhecido à iniciativa de suas observações", diz Castelo Branco, que justifica ao religioso os motivos da transferência do comandante do II Exército, em São Paulo, para o Rio de Janeiro.

Lista da tortura A viúva do líder comunista Luiz Carlos Prestes, Maria Prestes, decidiu doar para o Arquivo Nacional o acervo pessoal do marido, do qual faz parte um documento com o nome de 233 militares e policiais acusados de cometer tortura durante a ditadura militar. O "Relatório da IV Reunião Anual do Comitê de Solidariedade aos Revolucionários do Brasil", datado de fevereiro de 1976, foi elaborado por 35 presos políticos que cumpriam pena no Presídio da Justiça Militar Federal, entre eles o ex-presidente do PT e hoje assessor do Ministério da Defesa José Genoino e o ex-ministro dos Direitos Humanos e idealizador da Comissão da Verdade, Paulo Vanucchi. A lista foi divulgada ontem no site da Revista de História, da Biblioteca Nacional, que trará reportagem sobre o relatório na sua edição de janeiro.

-------------------------------------------------------------------------------- adicionada no sistema em: 30/12/2011 02:40