Valor econômico, v. 17, n. 4221, 24/03/2017. Agronegócios, p. B12

Ministério ignorou alerta do TCU sobre falhas em inspeção

Segundo o órgão, SDA não tem controle sobre trabalho dos fiscais

Por: Murillo Camarotto

 

O Ministério da Agricultura descumpriu uma série de determinações do Tribunal de Contas da União (TCU) para aperfeiçoar o sistema de fiscalização dos frigoríficos de carne bovina. Os alertas foram feitos em novembro de 2014, após uma auditoria na Secretaria de Defesa Agropecuária (SDA), divisão da Pasta responsável pelo controle desse tipo de estabelecimento.

O TCU apontou uma absoluta falta de planejamento dos trabalhos de fiscalização da SDA, o que acabou criando um cenário fértil para a prática de ilícitos. Em síntese, de acordo com o tribunal, a SDA não tem o menor controle sobre o trabalho diário das centenas de fiscais espalhados pelo país.

Também foi identificada uma discrepância significativa no rigor da fiscalização de estabelecimentos voltados à exportação de carne quando comparados àqueles dedicados ao mercado interno. Enquanto frigoríficos que vendem para os Estados Unidos são inspecionados bimestralmente, vários que atendem consumidores brasileiros não têm sequer uma norma que discipline esse calendário.

A falta de transparência na divulgação dos resultados das ações de controle feitas pelo Ministério da Agricultura foi outro ponto abordado no relatório do TCU. "Os autos de infração, que versam sobre fraudes, falsificações e adulterações realizados por estabelecimentos de abate de bovinos com inspeção federal não são disponibilizados no sítio eletrônico do ministério, privando a população, consumidora dos produtos de origem animal e principal afetada, do conhecimento necessário e do direito de escolha", diz o relatório.

Os técnicos do TCU também fizeram observações sobre o contingente de fiscais dedicados à inspeção dos frigoríficos. Para atender à legislação, que exige inspeção federal permanente nos estabelecimentos, seriam necessários pouco mais de 1,5 mil novos profissionais.

A presença permanente de fiscais, no entanto, é outro ponto polêmico. Técnicos do TCU avaliam que a convivência prolongada desses profissionais em uma única empresa pode criar promiscuidade na relação, gerando oportunidades de pagamento de propina.

"Um bom exemplo é a unidade da BRF em Mineiros (GO), que foi interditada após a Operação Carne Fraca. É difícil encontrar um fiscal disposto a trabalhar nessa localidade, então aquele que aceita acaba se estabelecendo por lá, criando uma relação 'não ideal' com a empresa", explicou um auditor do TCU que pediu anonimato.

Após tomar conhecimento das fragilidades na fiscalização, o plenário do TCU determinou ao Ministério da Agricultura que estabelecesse mecanismos para garantir a conformidade das informações prestadas pelos fiscais e que fizesse o uso gerencial desses dados, hoje completamente dispersos.

O tribunal recomendou ainda que os procedimentos usados no controle dos frigoríficos exportadores sejam os mesmos daqueles voltados ao mercado interno. Também foi encomendado um estudo sobre a conveniência de realizar as inspeções em caráter periódico, a fim de evitar relações muito próximas entre fiscais e empresas.

O Valor apurou que o Ministério da Agricultura praticamente ignorou os apontamentos do TCU. Na época do relatório, o titular da Pasta era Neri Geller - que, apesar da troca de governo, continua com um cargo importante: é o secretário de Política Agrícola. Procurado, o ministério não se manifestou até o fechamento desta edição.

Apesar de toda a repercussão do caso, técnicos do TCU fizeram ressalvas ao modo como a Operação Carne Fraca foi anunciada. O entendimento é de que se deu maior ênfase à qualidade da carne do que à corrupção dos agentes públicos. "Criou-se uma celeuma desmedida sobre a qualidade da carne, que é boa", opinou o mesmo auditor.

_______________________________________________________________________________________________________

PF no Paraná monta força-tarefa para Carne Fraca

Por: André Guilherme Vieira

 

A Polícia Federal (PF) no Paraná está constituindo uma força-tarefa formada por delegados, agentes e peritos que se dedicará exclusivamente ao aprofundamento das investigações sobre um suposto esquema de corrupção envolvendo fiscais agropecuários e executivos e funcionários de frigoríficos. A superintendência regional da PF paranaense já mantém desde 2014 uma força-tarefa que se dedica às investigações da Lava-Jato.

Delegados ouvidos pela reportagem rebatem as críticas de que a Operação Carne Fraca teria sido deflagrada de forma espetacularizada. Eles também garantem que já contam com um acervo de evidências relevante, resultado de dois anos de investigações com monitoramento telefônico.

"Já reunimos grande quantidade de evidências de irregularidades, mas que somente serão apresentadas no futuro, por uma questão de estratégia de investigação", garantiu uma fonte policial ao Valor.

Conforme apurou a reportagem, o diretor-geral da PF, Leandro Daiello Coimbra, tem apoiado abertamente a operação deflagrada na sexta-feira - a maior já realizada pela PF em toda a sua história. "O diretor-geral tem dado suporte contínuo a todas as investigações da Polícia Federal. Ele, inclusive, defendeu a operação abertamente em uma reunião realizada no Palácio do Planalto", afirmou uma alta fonte da PF.

Com duas forças-tarefas atuando simultaneamente, a expectativa da PF do Paraná é receber maior suporte da direção-geral em Brasília para dar continuidade aos trabalhos de investigação.

_______________________________________________________________________________________________________

JBS e BRF reforçam estratégias de esclarecimento

Por: Juliano Basile e Fernanda Pressinott

 

O diretor de Assuntos Corporativos da JBS nos Estados Unidos, Cameroun Bruett, afirmou ontem que a companhia não está preocupada com a possibilidade de as autoridades americanas da área de agricultura tomarem medidas contra as exportações de carne proveniente do Brasil devido à Operação Carne Fraca. Segundo ele, a companhia está confiante na segurança dos alimentos que comercializa e não foi acusada de cometer irregularidade com seus produtos.

"Nenhuma das nossas plantas foi fechada. Não fomos acusados de carne contaminada", disse Bruett, em evento no Congresso americano. O diretor afirmou que não recebeu nenhuma manifestação de preocupação do Departamento de Agricultura dos EUA (USDA). "Estamos completamente confiantes na segurança de nossos alimentos e no nosso sistema de controle de produtos. Estamos completamente confiantes com a nossa equipe. Se descobrirmos que algum empregado cometeu alguma irregularidade, vamos tomar medidas imediatamente".

Segundo ele, a operação deverá ter impacto reduzido quando colocada em perspectiva. "O Brasil tem mais de 4,7 mil plantas frigoríficas e estamos olhando para uma operação de dois anos que resultou na investigação de 21. Dessas, só seis exportaram nos últimos 60 dias".

Também ontem, a BRF enviou comunicado à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) esclarecendo pontos sobre a operação. A empresa afirma que sua fábrica localizada em Mineiros (GO), que foi alvo da ação, produz carne de frango e de peru para o mercado interno e externo e responde por menos de 5% de sua produção total. "A planta está habilitada para exportar para os mais exigentes mercados do mundo, como Canadá, União Europeia, Rússia e Japão, seguindo as diferentes normas estipuladas por esses países", diz a nota.

A BRF esclareceu também que a fábrica ficará fechada a pedido do Ministério da Agricultura até que a empresa possa prestar informações que atestem a segurança e a qualidade dos itens lá produzidos. Sobre a presença de salmonella nos produtos, o documento afirma que existem 2,6 mil tipos dessa bactéria, comum em produtos alimentícios de origem animal ou vegetal, e que são facilmente eliminados com o cozimento adequado dos alimentos.

Com esses esforços, além dos aportes milionários em marketing no Brasil, a JBS, que tem metade de seu faturamento nos EUA, reverteu a tendência de queda de suas ações na BM&FBovespa. Os papéis da BRF, que também lançou uma ofensiva de marketing, registraram queda menor que na sexta-feira, ao passo que as ações dos frigoríficos Marfrig e Minerva, que não estão citados na operação, caíram em virtude das barreiras anunciadas às exportações brasileiras em geral.

_______________________________________________________________________________________________________

Kátia Abreu diz que Serraglio tentou proteger fiscal preso

Por: Fabio Murakawa e Vandson Lima

 

Em um post no Twitter, a senadora Kátia Abreu (PMDB-GO) confirmou ontem que o hoje ministro da Justiça, Osmar Serraglio, atuou para proteger Daniel Gonçalves Filho, preso na última sexta-feira pela Polícia Federal (PF) durante a Operação Carne Fraca, que investiga o pagamento de propina a fiscais agropecuários por parte de frigoríficos "Infelizmente, esta matéria está correta", tuitou a senadora. Ela referia-se a post publicado no blog do jornalista Josias de Souza a respeito de um episódio em que Serraglio foi ao seu gabinete, quando ela ainda era ministra da Agricultura de Dilma Rousseff, para tentar impedir a demissão de Gonçalves Filho.

O jornalista narra que Serraglio, à época deputado pelo PMDB paranaense, foi ao ministério com o deputado Sérgio Souza (PMDB-PR) no ano passado, antes do impeachment de Dilma, e se mostrou "inconformado" com a suspensão de Gonçalves Filho do cargo de superintendente do órgão no Paraná. O motivo da suspensão era um processo disciplinar em que se constatou que Gonçalves Filho havia livrado um subordinado da acusação de furto de combustível, sem ter poderes para tal e apesar de evidências "eloquentes" do crime.

No post, o jornalista afirma que Serraglio, que em um dos grampos da operação Carne Fraca da PF aparece chamando Gonçalves Filho de "grande chefe", ainda insistiu para que ele fosse mantido no cargo, o que acabou não ocorrendo. Até agora, o único comentário público de Kátia Abreu sobre o episódio e a operação foi feito por meio do Twitter. Segundo sua assessoria, ela está recebendo informações sobre a operação e deve fazer pronunciamento nesta terça sobre o tema.

A assessoria do ministro da Justiça informou que o processo de indicação de cargos como o do fiscal Gonçalves Filho passa pela bancada do PMDB no Paraná. A assessoria informou, ainda, que Serraglio pediu a reunião com Kátia Abreu em nome da bancada por ter sido informado por Gonçalves de que ele era alvo de injustiça. Serraglio negou ter influenciado para tentar evitar a demissão dele.