ENTREVISTA - BLAIRO MAGGI

19/03/2017

 

 

‘Não podemos deixar essa crise matar a agroindústria’

 

Após escândalo das carnes, ministro da Agricultura diz que maior preocupação é perda do mercado externo e da confiança do consumidor interno. Além de Estados Unidos e União Europeia, China já buscou informações

 

O ministro da Agricultura, Blairo Maggi, se reunirá hoje com o presidente Michel Temer e com representantes dos produtores de carne para tratar das respostas à Operação Carne Fraca. O objetivo é atuar com a maior rapidez e transparência possível para reduzir os danos. O ministro, no entanto, já admite que algum prejuízo será inevitável.

 

O objetivo dessa reunião com o presidente é criar um gabinete de crise?

Montamos um gabinete de crise no ministério da Agricultura. Conversei com o presidente hoje e decidimos fazer uma reunião amanhã para nivelar a conversa sobre as ações que o ministério está fazendo e outra já com as associações que representam os frigoríficos, para também alinhar algumas ações com eles em defesa do mercado brasileiro e internacional também.

 

Qual é a principal preocupação neste momento?

A maior preocupação é a perda de mercado no exterior dos nossos produtos e a perda da confiança do consumidor interno no Brasil.

 

Além da União Europeia e dos EUA, algum outro mercado já demonstrou preocupação?

Eu tenho conversado com nosso embaixador na China, o embaixador (Marcos) Caramuru, e ele já prestou esclarecimentos lá, o ministério que cuida da sanidade na China também nos questionou. Todos muito serenos, mas querendo saber exatamente o que está acontecendo. Todos mostram preocupação, mas ninguém ainda tomou uma decisão drástica contra o Brasil, mas nós temos que ser muito rápidos e transparentes na comunicação e estancar esse assunto onde ele está restrito e checar o resto dos nossos procedimentos e dar garantia absoluta de que não temos outros problemas nessa área.

 

Essas preocupações internacionais podem chegar à produção agrícola?

Não, realmente não. O que está acontecendo é uma coisa pequena dentro do contexto que nós temos. Mas temos que atuar com urgência para não deixar isso se alastrar. Nosso sistema é forte, robusto, é reconhecido mundialmente como um serviço de boa qualidade. Só que nós tivemos quebra de comportamento de pessoas, pessoas se corromperam no meio do processo e aí nós não temos muito onde nos agarrar a não ser na Justiça. Obviamente se o Ministério tivesse sabido com antecedência, nós teríamos tomado as providências, mas não recebemos essas informações desses servidores que foram corrompidos ou se corromperam.

 

O senhor acha possível evitar que haja algum tipo de barreira imposta?

Acho que prejuízo nós teremos, não sei se no ponto de um embargo total, que eu creio que não, nós temos como comprovar que temos isso restrito. Agora, você sabe como é mercado, mercado se ressente de qualquer notícia, por mais boato que seja, imagina numa operação onde a própria Polícia Federal do Brasil aponta esses problemas. Ainda quero também questionar dentro da PF a amplitude disso, das coisas que foram ditas. Por exemplo, quando se diz que misturou carne com papelão, não me parece que seja essa a questão, a questão ali está falando da embalagem de produtos, de bandejas que devem ser utilizadas no processo daquela parte da industrialização. Então vamos ter que agora pegar os laudos da PF, os depoimentos, e tecnicamente comparar se o entendimento do delegado é o mesmo que nós temos olhando a parte técnica do processo.

 

O senhor enviou técnicos ao Paraná para acompanhar essa parte judicial?

Já. Temos gente desde ontem no Paraná acompanhando, tivemos acesso ao inquérito para estudá-lo com toda tranquilidade e separar aquilo que realmente aconteceu daquilo que se pensa ou se supõe, porque esse é um assunto muito grave, é um assunto de interesse nacional, afinal de contas estamos falando de alguns bilhões de dólares de exportação.

 

Acha que pode ter havido exagero da Polícia Federal?

Quero primeiro checar. Também não sei se efetivamente aquilo que foi publicado por jornais e blogs foi dito pela Polícia Federal e pelo Ministério Público. A gente precisa checar primeiro e recolocar a informação.

 

O senhor já tem alguma estimativa do impacto que pode ter na economia?

Não sei o tamanho, mas tenho muito medo do tamanho se não estancarmos isso com rapidez e transparência. O Brasil é o maior exportador de carnes do mundo, 70% da carne de aves que a China consome é nossa. Um embargo chinês por um problema desses é uma coisa muito grave. Embora, já levantamos isso, nenhuma das plantas que foram acusadas exportem para a China. Mas o mercado reage a boatos, nem sempre à ciência e às coisas claras.

 

Como o governo pretende dar segurança para os brasileiros em relação aos alimentos que consumimos?

A mesma preocupação em relação ao público externo temos em relação ao interno. Nós podemos garantir que nossos sistemas são sérios, robustos. Nós tivemos alguns problemas apontados por corrupção dos servidores públicos. O sistema é muito forte, muito rígido. O que temos de fazer é urgentemente mostrar esse sistema, passar por auditorias e garantir ao consumidor brasileiro que ele não corre nenhum risco.

 

O senhor tem acompanhado esse recolhimento de alimentos dos frigoríficos fechados?

Não tenho ainda esses números. Mas as três plantas que foram suspensas não podem mais expedir mercadorias e nós temos como rastrear os últimos embarques. Mas ainda não temos como saber se esses produtos ainda estão circulando, e então serão retirados do mercado, ou se já foram consumidos.

 

E qual é a posição do presidente?

A preocupação do presidente é comprovar que nosso sistema é forte, que os casos são pontuais e garantir à população brasileira que isso não trará problemas a eles. Para mim, esse é um assunto de segurança nacional, não podemos deixar esse assunto matar a agroindústria brasileira e o grande trabalho que foi feito para conquistarmos esse mercado mundial. Muitos concorrentes nossos vão tentar aproveitar a situação para nos sacrificar nesse mercado muito competitivo, mas nós vamos trabalhar para não acontecer isso.

O globo, n. 30540, 19/03/2017. Economia, p. 33