Tributaristas preveem onda de contestações

Ribamar Oliveira

17/03/2017

 

 

Embora ainda estejam aguardando a publicação do acórdão do Supremo Tribunal Federal (STF), contrária à inclusão do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) na base de cálculo do PIS e da Cofins, os especialistas em tributação consultados pelo Valor não têm dúvida: a decisão de quarta-feira abriu uma enorme controvérsia jurídica. "A mesma tese será usada para questionar outros tributos", prevê o ex-secretário da Receita Federal, Everardo Maciel. "Ela atinge todo o sistema tributário brasileiro", acrescentou.

Há uma consequência imediata da decisão do STF, avaliam os especialistas. Todos eles consideram que o governo federal deverá elevar as alíquotas do PIS e da Cofins para compensar a perda de receita que terá com a mudança da base de cálculo dos dois tributos. "Qual será a alíquota neutra, que manterá a mesma arrecadação?", questiona o economista Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal. "O risco que se corre é que o governo aproveite a situação para elevar a carga tributária."

Qualquer que sejam as novas alíquotas, Appy adverte que haverá uma mudança nos preços relativos da economia, pois o ICMS, que será retirado da base de cálculo do PIS e da Cofins, incide maneiras diferentes sobre os produtos. Mudança de preços relativos na economia tem repercussão direta na inflação.

Appy acha que o primeiro alvo dos questionamento na Justiça poderá ser o Imposto sobre Serviços (ISS), que também integra a base de cálculo do PIS e da Cofins. "É a mesma situação do ICMS", observou. Ele considera que em um bom sistema tributário um imposto não deveria estar mesmo na base de cálculo de outro. Ele pondera, no entanto, que a questão não deveria ter sido decidida na Justiça.

Para Everardo Maciel, a decisão do STF "é um grande equívoco, com consequências". Segundo ele, desde 1965, quando houve a reforma do ICMS, o tributo passou a ser cobrado por dentro, ou seja, ele passou a integrar a sua própria base de cálculo. "Todo o sistema tributário é fundado nisso, é da tradição brasileira", afirmou. "Quer dizer agora (depois da decisão do STF) que todo o sistema tributário brasileiro é inconstitucional?", questionou.

Para o economista José Roberto Afonso, pesquisador do Ibre-FGV, se prevalecer a tese de que não se cobra tributo sobre tributo, "o STF mais uma vez assumiu o protagonismo da cena brasileira e, no fundo, decretou a obrigatoriedade de uma reforma tributária". Ele ressaltou, no entanto, que ainda aguarda a publicação do acórdão.

Afonso lembrou que o sistema tributário brasileiro só tem a atual arrecadação porque cobra mais de um imposto e contribuição sobre a mesma base, cobra um sobre o outro e, no caso do ICMS, chega ao limite de cobrar o imposto sobre ele próprio - a chamada alíquota por dentro. "A alíquota de 17% (do ICMS), na prática, é superior a de 20%, porque tem ICMS sobre ICMS", observou.

O pesquisador do Ibre-FGV lembrou que o Imposto de Importação (II) está na base do Imposto sobre Produto Industrializado (IPI) e do ICMS; que o IPI está na base do ICMS; o ICMS incide sobre ele mesmo; a Cofins incide sobre o II, o IPI, o ICMS, o PIS; e o PIS incide sobre o II, o IPI, o ICMS e a Cofins. Há outros casos também. "Entre um terço e 40% (dos tributos) está nessa situação", explicou. "A decisão do STF reforça a necessidade da reforma tributária", afirmou.

Outra questão levantada pelos especialistas é que não faz sentido as empresas ingressarem na Justiça pedindo o ressarcimento do PIS e da Cofins que teriam pago a mais, a partir da decisão do STF. "O tributo cobrado foi repassado ao consumidor", lembrou Bernard Appy. "Seria um absurdo permitir essa restituição", afirmou. A questão depende da modulação da decisão que será feita pelo STF.

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4216, 17/03/2017. Brasil, p. A3.