Economistas ligados a Lula debatem plano emergencial

Cristiane Agostine, Fernando Taquari e César Felício

18/03/2017

 

 

Todo mês, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem se reunido com um grupo entre 10 e 15 economistas, a maioria ligados à Unicamp, para articular propostas voltadas à retomada do crescimento econômico e ao combate do desemprego. Os encontros no Instituto Lula, que no ano passado eram voltados à discussão da conjuntura, são destinados agora à construção de um chamado "plano emergencial" para o país.

As divergências dentro do grupo sobre as melhores propostas para o país sair da crise não são poucas. Mas, segundo relatos, há convergências em torno de medidas para alongar a dívida do setor privado e, ao mesmo tempo, promover políticas de estímulo de retomada da renda.

Segundo relato do economista Luiz Gonzaga Belluzzo, um dos participantes, as reuniões são divididas em duas partes: uma é a da discussão livre de medidas de curto prazo e a outra de mudanças estruturais, "para as reformas de fundo que precisam ser feitas para redimensionar a relação entre o setor privado e o estatal", em suas palavras. As ideias são colocadas, mas a intensidade do debate dentro do grupo faz com que o conjunto de discussões esteja longe do esboço de um plano de governo. "Há algumas premissas gerais, como a preocupação de todos em formular medidas que, caso aplicadas, poderiam reaquecer a economia", diz Belluzzo.

Da ala da Unicamp estão além de Belluzzo, Luciano Coutinho, Jorge Mattoso, Ricardo Carneiro, Marcio Pochmann, André Biancarelli, Pedro Rossi e Guilherme Melo. Da Fundação Getulio Vargas (FGV) estão os ex-ministros da Fazenda Nelson Barbosa e Guido Mantega, que participou de um encontro. Mantega é investigado pela Operação Lava-Jato e foi citado na megadelação dos executivos da Odebrecht, de acordo com relatos de investigadores.

Ainda estão no grupo Laura Carvalho, da Universidade de São Paulo (USP), e Esther Dweck, formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ex-integrante da Secretaria de Orçamento de Finanças e uma das responsáveis por assessorar a ex-presidente Dilma Rousseff no processo de impeachment.

No comando do grupo está o ex-secretário especial da Presidência Marco Aurélio Garcia, professor aposentado do departamento de História da Unicamp. Participam também, em alguns encontros, os ex-ministros Luiz Dulci e Paulo Vannuchi, dirigentes do Instituto Lula.

As reuniões começaram em outubro e nos dois últimos encontros as discussões foram em torno de ações que poderiam ser tomadas emergencialmente com efeito a curto prazo na economia. "Cada um opina de acordo com suas convicções. É um grupo de discussão, não de militância. Não se trata de um programa de governo para Lula", diz Mattoso, que foi presidente da Caixa Econômica Federal no primeiro mandato do ex-presidente.

O alongamento da dívida privada, uma das hipóteses discutidas no encontro, poderia ser conseguida com a diminuição do empréstimo compulsório aos bancos, segundo Belluzzo. Para fomentar o consumo, uma das medidas em debate é o de subsidiar o crédito de instituições financeiras oficiais, como BNDES, Banco do Brasil e Caixa, que ainda teriam margem em sua capacidade de alavancagem. "Quem comanda o ciclo de crédito são os bancos públicos", opina Belluzzo, para quem "com as atuais taxas de juros cobradas é impossível tocar um amplo programa de concessão".

Professor da Unicamp, Ricardo Carneiro diz que o tema central do debate no Instituto Lula é a "retomada do emprego". Como prioridade, está a renegociação das dívidas, de famílias e empresas. "É preciso renegociar as dívidas das famílias. Se houver o aumento da renda, as pessoas não podem usar tudo para pagar essas dívidas", afirma.

Carneiro afirma que o ideal seria a criação de incentivos para o setor empresarial renegociar suas dívidas. Somado a isso, deveria haver a continuidade da redução da taxa básica de juros, "para não criar um subsídio grande", diz.

Entre os temas debatidos no plano emergencial estão a retomada de crédito, para aumentar a "bancarização". "É crédito para as camadas mais baixas", afirma. Carneiro diz que "se a taxa de juros continuar caindo, haverá espaço para aumentar o déficit primário.

A temática econômica esteve presente em diversas palestras e discursos do ex-presidente, que lidera as pesquisas de intenção de voto para 2018, mas responde a cinco ações penais em Curitiba e Brasília decorrentes da Operação Lava-Jato e corre o risco de tornar-se inelegível caso haja condenação em segunda instância.

Lula tem defendido nestes encontros a renegociação das dívidas de empresas e de famílias, em moldes semelhantes aos mencionados pelos economistas que participam das reuniões do instituto, o aumento do valor de benefícios sociais como o salário mínimo e o Bolsa Família, a retomada de investimentos maciços do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e o fomento ao consumo, por meio de crédito subsidiado. O fortalecimento do BNDES e o aumento do endividamento público também são frequentemente mencionado pelo ex-presidente petista.

Mas o presidente também mencionou teses que são muito controversas mesmo nos debates do grupo. No lançamento do 6º Congresso do PT, no fim de janeiro, por exemplo, Lula defendeu o uso de reservas internacionais para realização de investimentos em infraestrutura e o aumento do endividamento público como medidas de estímulo à economia brasileira. Em uma entrevista meses antes à rádio Itatiaia, em Belo Horizonte, Lula foi mais explícito e mencionou uma cifra: "Pega US$ 100 bilhões e transforma em obra de infraestrutura". Esta é uma tese vista com reservas por participantes dos debates. Ricardo Carneiro fala em uso significativamente menor das reservas, que ficaria entre R$ 20 bilhões e R$ 30 bilhões, como um modo de financiar a infraestrutura sem impactar a dívida.

Mas no 6º Congresso Lula afirmou que "esse negócio de que não pode aumentar [o endividamento] não existe. Se fizer endividamento para construir ativos produtivos, você pode fazer", disse o petista, acrescentando que países desenvolvidos também elevaram a dívida pública. Como exemplo, citou Estados Unidos, Japão e Alemanha.

O ex-presidente disse que os bancos públicos, como Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil, não devem buscar a competição com as instituições financeiras privadas. Além disso, defendeu a retomada da "reinclusão dos mais pobres no Orçamento da União" e o crescimento por meio do consumo. "Se quisermos resolver a economia, só tem uma saída: incluir as camadas mais pobres no Orçamento da União".

"O BNDES tem que voltar a fazer investimento. Tem que usar o compulsório para deixar o BNDES voltar a fazer desenvolvimento industrial neste país. Nós não vamos querer que o Banco do Brasil e a Caixa Econômica tenham prejuízo, mas não queremos que eles façam competição com banco privado sobre lucratividade, usar parte das reservas para investimento em infraestrutura e crescimento econômico, aumentar o endividamento público", disse, no mesmo evento com militantes do PT.

Lula também tem feito com frequência críticas ao impacto econômico da Operação Lava-Jato, que segundo o ex-presidente, está "quebrando" grandes empresas brasileiras e, assim, deve beneficiar companhias estrangeiras, sobretudo do setor da construção civil.

Para a retomada das obras de infraestrutura, muitas previstas dentro do Programa de Aceleração do Crescimento, os economistas debateram a renegociação dos contratos. Novas concessões não estão no horizonte de curto prazo. Mesmo com o limite para gastos sociais, Lula tem defendido mais investimentos em programas e benefícios sociais, como um abono para o salário mínimo e o aumento do Bolsa Família.

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4217, 18/03/2017. Brasil, p. A11.