"Polarização e crise favorecem acordão contra Lava-Jato"

Cristian Klein

18/03/2017

 

 

A "lista do Janot" vem sendo considerada como o ápice da Operação Lava-Jato, pela extensão com que atinge os principais partidos e políticos do país, mas para o analista e sociólogo Celso Barros deve coincidir com o refluxo da força-tarefa anticorrupção, por meio da reação do sistema político. "O clima é muito favorável ao acordão", diz, numa referência à tentativa de se aprovar no Congresso uma anistia ao crime de caixa dois, embutida ou não numa reforma política.

A retirada do sigilo das delações dos 78 executivos da Odebrecht - pedida pelo procurador-geral da República Rodrigo Janot - "vai ser uma bomba", afirma Barros, mas não terá o efeito esperado, "purificador", de uma "cruzada moral", como a população gostaria. Na avaliação de Barros, a atual conjuntura poderia ser expressa pela fórmula na qual crise econômica mais polarização é igual - ou ao menos favorece - um acordão, um pacto que junte esquerda e direita contra a Lava-Jato.

Para o analista político, a Lava-Jato "jogou errado" em episódios como a condução coercitiva e a criticada apresentação em Power Point que o Ministério Público Federal usou para denunciar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Eles fizeram coisas que, de fato, deram impressão para a militância de esquerda que era um negócio parcial. Agora você vai ver que não é. Eles vão pegar os outros caras. Mas será que dá tempo de recompor? Difícil imaginar o que ganharam com aquilo. Eles serraram o galho em que estavam sentados. Não tem uma força política para defender a Lava-Jato. A Lava-Jato perdeu a chance de ser defendida pela esquerda quando a direita fosse atrás dela", afirma, caracterizando essa como a situação atual. A Lava-Jato, diz, é atacada pelos que estão comprometidos com o governo Temer e só encontra apoio no Judiciário e na imprensa. "Mas daqui a pouco, nem mesmo nestes setores. Bom, Gilmar Mendes [ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal Superior Eleitoral] está puxando uma reação violenta".

Nas ruas, magistrados e procuradores até encontram algum ponto de sustentação, mas pela metade, aponta. Barros cita a manifestação que vem sendo convocada pelas redes sociais para o dia 26, liderada pelos movimentos que pediram o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. O ato, que tem entre suas bandeiras a defesa da Lava-Jato, poderia atrair, argumenta o sociólogo, gente de esquerda interessada em apoiar as investigações que agora recaem sobre expoentes de partidos da base de Temer como PMDB, PSDB e PP.

Ocorre que a manifestação está sendo feita, afirma o analista, de modo a excluir simpatizantes da esquerda, por meio da introdução de bandeiras como a defesa da reforma da Previdência. "É uma passeata fake [falsa], para dar uma satisfação ao pessoal que os segue. Se fosse um negócio sério, para comprar uma briga pela Lava-Jato, não fariam isso. Os únicos partidos que sistematicamente são contra o acordão são o Psol e a Rede. Teriam que chamá-los. Mas não fazem para não fortalecer a esquerda. Deixaram claro que é para a esquerda não ir. Polarizou muito. A sociedade civil foi totalmente sequestrada pelo impeachment", afirma.

Neste ambiente, acrescenta Barros, a Lava-Jato não tem condições de se beneficiar do que um dia, sobretudo nos anos 1980, impulsionou o movimento de uma sociedade civil independente, menos atrelada ao sistema político. Líderes partidários de expressão nacional estão enredados nas investigações de corrupção e, ao mesmo tempo, não há atores com isenção e legitimidade para coordenar uma solução por fora do sistema político. A reforma trabalhista, exemplifica, poderia ter boa parte dos termos negociada entre patrões e sindicatos, mas seus representantes estão fortemente identificados com um dos lados da polarização. "A Fiesp liderou o movimento do impeachment - aliás seu presidente está citado [na lista de Janot]. Esses caras vão aparecer como negociadores legítimos? Pelos sindicatos, o Paulinho da Força foi lá na votação do impeachment cantar. Os movimentos sociais foram engolidos pela briga. E ficamos na mão desses caras delatados", diz.

Com a saída da recessão nas mãos do Congresso e a divisão da sociedade, a classe política teria condições de realizar uma reação legislativa e desarmar a Lava-Jato, evitando a cadeia: "Acho que eles vão inclusive jogar com isso para aprovar a reforma, que o empresariado e o Temer querem. Vão negociá-la em troca da anistia. O Temer compra legitimidade para ele com as reformas, transfere um pouco disso para o Congresso, pelo menos alguma blindagem, e os caras se anistiam. Vai ter voto de quase todas as legendas" diz.

Barros lembra que o ritmo do Judiciário é muito lento e aponta como simbólico o fato de que apenas depois de dois anos da primeira lista do Janot o deputado federal Vander Loubet (PT-MS) foi tornado réu da Lava-Jato pelo STF, na semana passada. Os réus da segunda lista do MPF, prevê, só devem ser julgados no próximo governo.

Para o analista, sendo todo mundo denunciado, é provável que, na próxima eleição, haja simplesmente um rebaixamento de expectativas e não a procura pela novidade. O cidadão, diante da sensação generalizada de que todos os políticos são ladrões, pode votar naquele em que, ao menos, tem um programa com o qual concorde.

Em sua opinião, a corrida presidencial de 2018 está muito aberta, com possibilidade para franco-atiradores que venham fora do sistema político - "O Deltan [Dallagnol] tem a maior cara de que quer ser candidato" - mas Barros considera que o simples fato de ser uma novidade não dá vantagem competitiva a nomes como o do procurador à frente da Lava-Jato, do principal magistrado na operação, o juiz Sergio Moro, de Curitiba, ou o ex-presidente do STF, Joaquim Barbosa. "Tem a bandeira da corrupção, mas também a da recuperação econômica. Se o candidato não der segurança ao eleitor nesse campo, ele pode fracassar mesmo que seja honesto", afirma Barros, doutor em sociologia pela Universidade de Oxford.

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4217, 18/03/2017. Política, p. A14.