Em crise hídrica história, Brasília gasta milhões com Fórum da Água

Murillo Camarotto e Daniel Rittner

25/03/2017

 

 

Em meio à mais severa crise hídrica de sua história, Brasília será anfitriã do próximo Fórum Mundial da Água. A oitava edição do evento, marcada para março do ano que vem, teve sua organização orçada em € 31,5 milhões, pouco mais de R$ 106 milhões. Boa parte desses custos foi assumida pelo Governo do Distrito Federal (GDF), que instaurou no início deste ano o primeiro racionamento de água já realizado na capital do país.

Os cortes no abastecimento começaram nas regiões periféricas ao Plano Piloto, mas recentemente foram incluídas as chamadas áreas nobres de Brasília - com exceção da Esplanada dos Ministérios. A falta de chuvas volumosas nesta época do ano intensifica a preocupação com o abastecimento no período de estiagem, que historicamente atravessa de junho a outubro com escassas gotas de chuva.

Mesmo sem saber como estará a oferta de água na época do fórum, as autoridades não têm como escapar da planilha de custos do evento. Além do GDF, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) assinou o memorando de entendimentos que oficializou a realização do fórum e também se comprometeu com parte do financiamento.

O terceiro signatário do memorando - firmado em outubro do ano passado - é o presidente do Conselho Mundial da Água, Benedito Braga, que também é secretário de Abastecimento e Recursos Hídricos do Estado de São Paulo. Apesar de integrar o grupo de organizadores, o comitê não tem responsabilidade de colocar dinheiro no evento. Pelo contrário, receberá dos cofres públicos € 5,5 milhões - algo perto de R$ 19 milhões.

Segundo apurou o Valor, o pagamento é uma espécie de royalty para o comitê. "Esse montante representa o valor da marca e imagem do Fórum Mundial da Água e do acesso fornecido pelo Conselho Mundial da Água à sua rede mundial de sócios, parceiros, especialistas e profissionais, semelhante a uma taxa de licenciamento", diz o memorando de entendimentos.

A divisão dos custos destacada no documento prevê o desembolso de € 12,75 milhões (R$ 43 milhões) pelas autoridades brasileiras. Enquanto o Ministério do Meio Ambiente atuará em conjunto com a Agência Nacional de Águas (ANA), o governo de Brasília terá o apoio da Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico do DF, a Adasa.

O diretor-presidente da Adasa, Paulo Salles, garante que os números foram atualizados e que o valor do fórum é de € 20 milhões. Segundo ele, 40% desse montante será dividido entre a Adasa e o ministério. Outros 40% ficarão a cargo de parceiros privados - por meio de patrocínios - e os 20% restantes serão arrecadados com taxas de participação e venda de espaços na área de feiras e exposições.

O executivo destacou que, apesar do problema vivido no Distrito Federal, a realização do fórum é uma oportunidade tanto para os debates sobre a questão hídrica quanto para movimentar a economia de Brasília. Segundo Salles, a última edição do evento reuniu 40 mil pessoas. "Importante lembrar que quase todo o investimento é feito no Brasil", afirmou o diretor.

Antes da capital federal, o Fórum Mundial da Água já teve edições nas cidades de Daegu (Coreia do Sul), Marselha (França), Istambul (Turquia), Cidade do México, Kyoto (Japão), Haia (Holanda) e Marrakesh (Marrocos). A proposta da versão brasileira foi inspirada na Lei Nacional das Águas, que define, entre outras coisas, que a gestão dos recursos hídricos deve se basear em princípios de compartilhamento, descentralização e participação de todos os interessados.

Braga, do Conselho Mundial da Água, disse por meio de sua assessoria que as informações referentes ao valor do evento deveriam ser encaminhadas aos governos do DF e ao MMA. Ressaltou, ainda, a importância do evento para "troca de experiências nas áreas de sustentabilidade e segurança hídrica".

O MMA defendeu e realização do evento. "Trata-se de uma excelente oportunidade para elevar o debate sobre o tema da água e também para o Brasil reafirmar seu papel de protagonista na agenda internacional em assuntos relacionados ao meio ambiente e à gestão de recursos hídricos, área em que o Brasil é reconhecido por sua relevância por concentrar 12% da água bruta de todo o planeta", disse, por meio de nota, a assessoria de imprensa do ministério.

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4222, 25/03/2017. Brasil, p. A2.