Moro decide por sigilo da fonte de blogueiro

Luiz Gustavo Schmitt

24/03/2017

 

 

Em ação sobre vazamento de dados para Lula, juiz resolve que provas não podem identificar informante

-SÃO PAULO- Após receber críticas de entidades de jornalistas, o juiz Sérgio Moro determinou proteção de sigilo da fonte na ação contra o blogueiro Eduardo Guimarães, autor do Blog da Cidadania e alvo de mandado de busca e apreensão na última terça-feira. O blogueiro teve o material de trabalho, como computador, laptop e celular, apreendido, e foi levado coercitivamente para depor da sede da Polícia Federal de São Paulo.

Em decisão de ontem, Moro se manifestou sobre a identificação da fonte.

“Deve ser excluído do processo e do resultado das quebras de sigilo de dados, sigilo telemático e de busca e apreensão, isso em endereços eletrônicos e nos endereços de Carlos Eduardo Cairo Guimarães, qualquer elemento probatório relativo à identificação da fonte da informação”, escreveu o magistrado.

O juiz disse que, após ter acesso a informações sigilosas sobre a 24ª fase da Operação Lava-Jato (a Operação Aletheia, de março do 2016), o blogueiro avisou um assessor do ex-presidente Lula sobre os mandados de busca e apreensão que tinham o político como alvo. Informações sobre a ação policial foram divulgadas pelo Blog da Cidadania, dias antes de sua deflagração.

O blogueiro alega que o objetivo do contato com o assessor de imprensa do Instituto Lula era checar a veracidade dos dados que constavam do despacho obtido por ele e publicar informação correta. O contato foi mencionado pelo blogueiro em post de 28 de fevereiro de 2016, quando escreveu:

“O blog, antes de qualquer coisa, passou a informação ao Instituto Lula, que considerou indubitável a veracidade da lista de pessoas e empresas que tiveram seu sigilo quebrado porque há informações, ali, que eram de conhecimento exclusivo da família do ex-presidente”, diz a postagem.

No despacho divulgado ontem, Moro justificou que, ao ser inquerido pela polícia, o blogueiro revelou quem seria a fonte de sua informação imediatamente. O magistrado frisou que um jornalista nunca revelaria sua fonte. Para ele, Guimarães é, na verdade, político, e seu blog, uma plataforma de propaganda eleitoral. Portanto, o entendimento do juiz era de que o sigilo da fonte não estaria sendo quebrado porque o blogueiro não teria essa prerrogativa.

Contudo, o juiz admitiu ser o caso de rever sua posição e melhor delimitar o objeto do processo, “tendo em vista o valor da imprensa na democracia”.

Na quarta-feira, entidades de jornalistas divulgaram notas nas quais manifestaram preocupação com risco de quebra do sigilo da fonte diante da condução coercitiva e do mandado de busca e apreensão ex- pedido por Moro contra o blogueiro. O pedido foi feito a Moro pela PF e pelo Ministério Público Federal, na terça-feira.

A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) alertou para o risco de quebra de sigilo da fonte desse e de outros trabalhos do blogueiro, a partir do acesso a seus arquivos pessoais e profissionais. “Não cabe à Justiça Federal traçar linhas a definir quem é e quem não é jornalista com o objetivo de afastar prerrogativas constitucionais. Não há dúvidas de que uma das atividades de Eduardo Guimarães é a manutenção de seu blog, por meio do qual faz análises políticas desde 2010, uma atividade jornalística. Divulgar o que sabe é não apenas um direito de Guimarães, como um dever”, diz a nota da associação.

A Abraji ponderou que comunicadores, blogueiros e jornalistas não estão imunes a investigações “e, se houver indício de crimes estranhos à atividade de comunicação, devem ser investigados como qualquer cidadão”. Segundo a entidade, “não se pode admitir que a investigação atente contra princípios que garantem o exercício do jornalismo não apenas ao blogueiro, mas a todos os comunicadores do país”.

Também em nota, a ONG inglesa Artigo 19 repudiou a condução coercitiva do blogueiro, tratada como “grave violação ao direito de sigilo de fonte” e “sério ataque ao direito à liberdade de imprensa”.

“O direito ao sigilo de fonte é uma condição fundamental para a prática do jornalismo e deve ser protegido por todas as instituições públicas, sobretudo pelo Judiciário. Qualquer tentativa de violar esse direito deve ser denunciada e sofrer oposição por parte dos setores da sociedade civil”, escreveram representantes da ONG.

O MPF argumentou que os pedidos não pretendiam descobrir a identidade da fonte de Guimarães, uma vez que os procuradores já teriam identificado o informante. A Lava-Jato suspeita que a intenção do blogueiro tenha sido atrapalhar as investigações e não checar dados. A defesa do blogueiro nega a acusação.

 

O globo, n. 30545, 24/03/2017. País, p. 6