Entrevista - Fernando Henrique Cardoso

Sérgio Roxo e Silvia Amorim 
24/03/2017
 
 
‘Do jeito que está, o foro privilegiado é um abuso’

Por: SÉRGIO ROXO SILVIA AMORIM

Sobre as especulações de que João Doria pode ser o candidato à Presidência, FH afirma que popularidade não pode ser confundida com liderança e credibilidade. O ex-presidente diz que foi mal interpretado ao dizer que caixa 2 não é crime

O senhor acha que foro privilegiado tem que acabar?

Do jeito que está é um abuso. Mas algum tipo de foro tem que ter. Se o sujeito faz um discurso, não pode ser processado. Mas se matou ou roubou, não deve ter foro.

Acredita que haverá mudança?

Só se o Supremo interpretar (a Constituição). Por que (no Congresso) é difícil? A fragmentação partidária chegou a um ponto tal que não tem mais maioria. Já no meu tempo fazer a maioria era difícil, imagina hoje. Esse sistema político não funciona mais. Esgotou.

O senhor voltou atrás na afirmação de que caixa 2 não era crime, mas um erro. Pegou mal dizer que era preciso separar o joio do trigo?

Não é que pegou mal, me entenderam mal. Eu disse aquilo de propósito porque estavam usando o Aécio (senador Aécio Neves) e não era verdade o que falavam dele (Benedicto Júnior, expresidente da Odebrecht Infraestrutura, teria dito que a empreiteira doou R$ 9 milhões via caixa 2 em 2014 a pedido de Aécio). Eu disse que tinha que separar os diferentes delitos. Uma coisa é dar um tiro, outra é dar uma surra. O toma-lá-dá-cá é que separa o caixa 2 puro da corrupção. Deixa a Justiça decidir. Não sou eu nem o Congresso.

É que sua afirmação passou a ser usada por políticos suspeitos e investigados na Lava-Jato...

O momento é tão tenso que as pessoas estão loucas para te pegar com alguma coisa. A punição já existe (para corrupção e caixa 2). Para quê fazer nova lei? Não vai acontecer anistia. Se o Congresso fizer, o Temer tem que vetar.

Como viu o bate-boca entre o ministro Gilmar Mendes e o procuradorgeral Rodrigo Janot?

Não acho bom um debate público entre as instituições. No processo de amadurecimento das instituições tem certas fases que vão longe demais. Tem que segurar.

É a favor do projeto de abuso de autoridade?

Nesse momento isso vai soar como se fosse para controlar. Num momento mais calmo tem que analisar.

O senhor concorda que qualquer mudança no sistema político já seria uma melhora?

De jeito nenhum. Sempre pode piorar. Eu defendo que o Congresso aprove até setembro, que é o prazo para valer para a próxima eleição, o fim das coligações proporcionais e adoção da cláusula de barreira. É o que está na mão. O resto não vai passar.

O prefeito João Doria é o nome mais competitivo do PSDB para 2018?

Não sei. Ele está começando e disse a mim, insistentemente, que o candidato dele é o Geraldo (Alckmin, governador de São Paulo). Doria não é o único. Tem vários que são (competitivos). Acho tudo prematuro. Não por ser o Doria, que é prematuro obviamente porque ele tem um mês de governo, mas é outra coisa: não se sabe o que vai acontecer com o conjunto de políticos com a Lava-Jato. Quem fica em pé?

O discurso “sou gestor não sou político” pode dar resultado também na eleição presidencial?

Quando o Doria fala isso está tocando num nervo que é sensível hoje, que as pessoas querem resultado. Está respondendo a essa angústia. Ele não é só gestor, é político também. O Brasil está cheio de bons gestores e nem todos viram líderes. O importante na política é ser líder. Liderança você constrói e leva tempo. Para governar, tem também que ter credibilidade. Isso não é igual a popularidade. Credibilidade é ser aceito pelos setores organizados da sociedade. É muito difícil governar.

Um ano e meio à frente da prefeitura de São Paulo é suficiente para construir essa liderança?

Não. Mas pode dar voto.

Concorda que Aécio já não é tão competitivo como era em 2014?

Se olhar as pesquisas, é verdade.

O que deve ser prioridade na reforma da Previdência?

Idade mínima, e tem que fazer uma regra de transição.

Como viu o projeto de terceirização trabalhista?

Sou favorável. Pode debater o que quiser, mas a realidade é assim. Infelizmente, você não tem como mudar.

“Não vai acontecer anistia. Se o Congresso fizer, o Temer tem que vetar”

Fernando Henrique Cardoso

Ex-presidente da República

 

O globo, n. 30545, 24/03/2017. País, p. 9