Impulso dos juros

Míriam Leitão 

24/03/2017

 
 

A economia brasileira viverá no fim deste ano uma combinação inédita: juros de um dígito e inflação na meta. No meio da sucessão diária de más notícias, é bom saber que algo anda bem, ainda que esses indicadores não estejam numa redoma de vidro. Se algo der errado na conjuntura, eles podem ser revertidos. Mas a dupla, inflação na meta e juros de um dígito, dará alívio às empresas e às famílias.

Ocenário benigno tem feito o mercado financeiro elevar as projeções para o PIB do ano que vem. Desde janeiro, a taxa saltou de 2,2% para 2,5%. Em fevereiro, o IPCA surpreendeu por ser menor do que o esperado. O mesmo aconteceu esta semana com a prévia de março que ficou em 0,15%. Se o índice de março terminar nesse patamar, a inflação estará na meta, em 4,5%. Por isso se espera que o Banco Central acelere o corte da taxa Selic, para 1 ponto, já na próxima reunião, em abril.

Infelizmente, efeitos positivos da redução dos juros sobre o nível de atividade se perdem nos sintomas ainda severos da crise. O desemprego e a inadimplência permanecem elevados. Pela ótica dos consumidores, o momento ainda é de redução de dívidas e não de tomada de novos empréstimos. Outro dado ruim é que o spread bancário aumentou, em vez de diminuir, desde que o BC começou a reduzir a taxa Selic, em outubro.

Ainda assim, juros baixos e inflação na meta vão provocar mudanças na economia. O consultor financeiro Guilherme Benites, sócio da Aditus Consultoria, que atende a mais de 120 fundos de pensão no país, conta que já há preocupação nas entidades em relação à menor rentabilidade da renda fixa. Com isso, parte dos recursos administrados pelos fundos deve ser direcionado para a bolsa de valores e outros tipos de investimentos, como o mercado de dívida de empresas privadas.

— Hoje, cerca de 5% do patrimônio dos fundos está na renda variável. A expectativa é que esse percentual suba para 7%. Essa diferença de 2 pontos pode injetar cerca de R$ 4 bilhões no Ibovespa nos próximos meses — afirmou.

Benites não espera uma explosão no consumo e nos investimentos este ano, como aconteceu em 2012. Primeiro, pela própria conjuntura de desemprego e inadimplência, segundo, porque as taxas de juros reais da economia vão ficar em torno de 4%. Em 2012, chegaram a ficar negativas.

— O governo da ex-presidente Dilma reduziu os juros para 7,25% com uma inflação próxima de 6%. E ainda havia inflação reprimida. Se você contabilizar os impostos, as taxas de juros reais ficaram negativas. O impulso foi muito forte e estimulou a inflação. Desta vez, os juros reais devem ficar na casa de 4% — disse.

A análise é a mesma de Gilson Carvalho, presidente da Associação Nacional das Empresas Financeiras das Montadoras (Anef ). Os bens de consumo duráveis, como os automóveis e eletrodomésticos, devem ser os mais beneficiados pela redução dos juros, mas a cautela ainda deve imperar entre os bancos e consumidores e por isso a entidade não espera uma explosão nas vendas.

— A queda dos juros é muito positiva porque reduz a parcela da prestação. Mas não enxergamos um cenário parecido com 2012 e 2013 porque o endividamento ainda é elevado e o desemprego só deve começar a recuar no final do ano — explicou.

A Anef estima um aumento de 5,5% nos novos financiamentos este ano, com crescimento de 2,5% no saldo total de empréstimos. A principal expectativa da entidade é que o desemprego pare de subir, impulsionando as vendas. Hoje, até quem está empregado tem receio de pegar empréstimo de longo prazo ou fazer compras de maior valor.

O Departamento Econômico do Itaú acredita que o Banco Central reduzirá a Selic para 8,25% já em outubro, na penúltima reunião do ano. O banco estima dois cortes de 1 ponto nos próximos encontros, seguidos de mais duas quedas de 0,75 e uma de 0,5 ponto. Se acontecer, será a taxa mais baixa desde maio de 2013.

Uma grande expectativa dos economistas está no efeito da liberação do FGTS, que pode injetar mais de R$ 40 bilhões na economia. Esse dinheiro deve ser usado para a redução do endividamento e das taxas de inadimplência. A melhora do país, contudo, será gradual e insegura. Ainda há muita incerteza no cenário político e na tramitação das reformas.

 

O globo, n. 30545, 24/03/2017. Economia, p. 22