A taxa de câmbio, o PIB e o emprego

Antonio Delfim Netto

28/03/2017

 

 

Para um pequeno país emergente, existe um "dilema": é preciso escolher entre ter uma política monetária independente ou ter uma taxa de câmbio estável. Ele já era intuído em alguns trabalhos de R. Nurkse e G. Haberler para a Liga das Nações no início dos anos 20 do século passado. Foi diretamente explorado por Keynes no "A Tract on Monetary Reform", publicado em 1923.

O "trilema" apontado por Fleming (1962) e por Mundell (1963) apenas explicitou, analiticamente, o que já era conhecido há pelo menos 40 anos, ou seja, que é impossível ter, ao mesmo tempo: 1) uma taxa de câmbio fixa; 2) plena liberdade de movimento de capitais e 3) uma política monetária independente, isto é, que sirva à relativa estabilidade dos preços num nível próximo ao pleno emprego.

O dilema é facilmente compreensível. Suponhamos, por exemplo, uma taxa de câmbio fixa e ampla liberdade de capitais, mas que a política monetária interna requeira uma taxa de juro real superior à internacional. Em condições normais de pressão e temperatura, o país será invadido por uma entrada de capitais, promovida pelos agentes financeiros internos e externos, que tentarão obter lucro explorando aquele diferencial. A solução óbvia é deixar a taxa de câmbio flutuar e esperar que a arbitragem produzida pela paridade de juros equalize a soma do risco-país e do juro real interno à taxa de juro real internacional.

Um exemplo clássico desse efeito ocorreu com a Alemanha no início dos anos 80. O gráfico abaixo é auto-explicativo. Revela a diferença entre o retorno de aplicações financeiras na Alemanha e no Reino Unido desde a desvalorização do dólar em 1973, quando os dois países ainda exerciam controle sobre o movimento de capitais. Quando eles foram eliminados, a diferença desapareceu. A arbitragem levou os dois níveis a patamares próximos do internacional. Depois do ajuste, as taxas de juro interna e externa eram compatíveis.

(...)

Seria a mesma coisa para um pequeno país emergente? Por que a liberdade de movimento de capitais não produz o mesmo efeito? Por que, para manter a taxa de inflação estável com o nível de atividade próximo ao pleno emprego, ele precisa de uma taxa de juro real muito superior à dos países avançados?

Enquanto o equilíbrio não se realiza, a variável de ajuste é a taxa de câmbio, que, num regime de liberdade de movimento de capitais, transforma-se num ativo especulativo, sem a mais remota ligação com a economia real. O equilíbrio pode levar décadas para realizar-se, como vimos nos últimos 30 anos, durante os quais caprichamos na destruição das condições isonômicas competitivas do nosso setor industrial.

A taxa de câmbio de equilíbrio num regime em que a liberdade de movimento de capital não existe, é um preço relativo. Ele equilibra o fluxo do valor das exportações em dólares, com o fluxo das importações em dólares multiplicado pela taxa de câmbio, numa convencionada unidade de tempo. Como é óbvio, sua variação cria e destrói emprego, porque está ligada à economia real.

Quando há liberdade de movimento de capitais, o câmbio assume o papel de um ativo cujo valor depende do diferencial de juro real interno e externo. Ele se transforma num ativo financeiro que tem pouca ligação com a economia real. Para o operador financeiro, o dólar a R$ 3,06 permite a mesma especulação (e lucros) do que o dólar a R$ 3,50. Para a economia real é a diferença entre destruir ou criar emprego.

A especulação financeira não gera emprego e perverte, pelo seu tamanho, a distribuição de renda. O PIB criado pela atividade interna e pela exportação é a soma do salário real e do lucro, fisicamente representado pelo aumento (ou diminuição) da produção e o aumento (ou diminuição) do emprego.

O grau de liberdade adicional dado ao Banco Central pela cômoda combinação da liberdade de movimento de capitais (que, na maior parte, não são "investimentos" no sentido próprio) e taxa de câmbio flutuante estimula as atividades especulativas, mas é mortal, no longo prazo, para o desenvolvimento econômico. Esse só acontece - é preciso insistir - com o aumento da produtividade física do trabalho (que depende do aumento da relação capital/trabalho) e se revela com o aumento da quantidade de bens e serviços postos à disposição da sociedade.

Num mundo dominado pelas finanças, e no qual há diferentes tipos de transferência de capitais e uma multidão de imperfeições de mercados, não é possível deixar de considerar que a política monetária independente dos grandes países desenvolvidos condiciona a política monetária (que não é independente) dos pequenos países emergentes como o Brasil. Duvido que a Yellen olhe para o que faz o competente Ilan, mas aposto que ele segue de perto o que esperar dela...

 

Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4223, 28/03/2017. Brasil, p. A2.