Valor econômico, v. 17, n. 4211, 10/03/2017. Política, p. A8

Transposição do São Francisco mobiliza presidenciáveis

 

Marina Falcão e Fernando Taquari

 
O governo Temer, o PT e o PSDB estão disputando os dividendos políticos da transposição do Rio São Francisco, que começa a se tornar realidade após dez anos de obras e investimento de R$ 9,6 bilhões, mais que o dobro do projetado inicialmente. Até as eleições de 2018, a briga tende a esquentar. Paralisado há oito meses, o trecho norte do projeto poderá ser concluído apenas em pleno ano de campanha presidencial.

Com 217 quilômetros de extensão, o ramal leste da transposição, que beneficia Pernambuco e Paraíba, será oficialmente inaugurado pelo presidente Michel Temer hoje, em evento nas cidades de Monteiro (PB) e de Campina Grande (PB). Será a terceira visita de Temer às obras em apenas três meses.

Em discursos nos canteiros de obras, Temer não tem citado diretamente os governos do PT, período em que foi iniciado e cumprido a maior parte do projeto. Em duas ocasiões, disse ainda que quer se conhecido como "o maior presidente nordestino" que já existiu.

A situação incomoda os petistas. "Todo o pessoal do governo, que nunca colocou uma pá de terra na obra, está querendo tirar uma casquinha", disse o senador Humberto Costa (PT-PE) ao Valor.

Diante disso, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva prepara-se para, ainda no mês de março, visitar as obras do projeto uma ou duas vezes. Nas redes sociais, Lula tem chamado para si a paternidade. "Quem estava no poder estudava, estudava e nada fazia", diz publicação do ex-presidente ontem no Facebook.

Há expectativa, ainda não confirmada, de que a ex-presidente Dilma Rousseff também compareça. Em texto intitulado "A verdade sobre a Transposição", a página oficial de Dilma publicou essa semana que "diferentemente do que tenta fazer crer jornalistas da imprensa nacional, e mesmo o ilegítimo governo de Michel Temer, a obra da transposição jamais esteve paralisada durante a gestão Dilma Rousseff". O texto diz que o projeto, sonhado nos tempos de Dom Pedro II, foi "desprezado" pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

Com planos de disputar a Presidência em 2018, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), visitou recentemente as obras da transposição em Pernambuco sob o pretexto de acompanhar o uso de maquinário da Sabesp que o governo do Estado emprestou para acelerar a conclusão do trecho leste. Em dezembro, quando assinou o contrato de cessão das bombas, Alckmin disse que o ato era "uma oportunidade de retribuirmos aos nordestinos, que tanto que contribuíram para o desenvolvimento de São Paulo".

"Foi o maior exemplo de cinismo que já vi. Ele emprestou umas máquinas velhas e veio aqui tentar tirar proveito. Foi uma desfaçatez, uma coisa ridícula", afirmou Costa. "Logo o PSDB que sempre torceu contra o projeto e que deixou São Paulo sem água", disse o petista.

Em nota, Alckmin negou qualquer tentativa de apropriação das obras. Afirmou que a visita teve o objetivo de vistoriar as bombas que permitiram antecipar em 45 dias a chegada da água a municípios afetados pela seca. "Quem deve se apropriar da transposição do São Francisco é a população nordestina, que ganha com a entrega desta obra pelo governo federal".

Aconselhado por aliados a rodar o país para viabilizar suas pretensões eleitorais, o tucano deve retornar ao Nordeste pela segunda vez no ano entre março e abril. Sua equipe planeja ir à Paraíba, também beneficiada pelas bombas.

O governador paulista confidenciou a aliados que não vai entrar em um debate público pelos dividendos da transposição. A ideia é deixar essa disputa entre petistas e pemedebistas. O governador investe em outras frentes. A interlocutores, revela a estratégia de apresentar o Estado como um caso de sucesso no combate à seca.

A falta de água afetou a popularidade do tucano, mas não impediu sua reeleição no primeiro turno em 2014. O discurso agora está pronto. Alckmin pretende explorar como trunfo o empréstimo das bombas e o avanço das obras de abastecimento de São Paulo.

A transposição do Rio Paraíba do Sul para o Sistema Cantareira e novo sistema produtor São Lourenço, que prometem eliminar o risco de novos transtornos com o desabastecimento em São Paulo, serão entregues em 2017. A expectativa é que as obras possam servir de portfólio ao tucano.

Com o semi-árido nordestino enfrentando a mais prolongada estiagem da região nos últimos 100 anos, o retorno político da conclusão das obras não pode ser desprezado. Finalizado, o trecho leste vai resolver o problema crítico de abastecimento de Campina Grande, segunda maior cidade da Paraíba. Quando estiver 100% pronta, a transposição beneficiará diretamente 12 milhões de pessoas, em 390 municípios.

Na contramão do alinhamento entre PSB e PSDB, o governador Paraíba, Ricardo Coutinho (PSB), já declarou que a obra do São Francisco dependeu da "determinação de Lula" que "teve a coragem" para atacar o coronelismo e a indústria da seca. Para Coutinho, o governo atual tem o mérito de ter dado continuidade a um projeto que já estava 90% pronto.

Presidente da Comissão Externa da Transposição, o deputado Raimundo Gomes de Matos (PSDB-CE) afirma que não se pode dizer que a transposição tem um pai, pois foi uma obra conjunta de vários governos. Embora a execução do projeto tenha começado em 2007, no início do segundo mandato do governo Lula, ele ressalta que o traçado da transposição foi finalizado em 2001, no governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC). "O PSDB nunca torceu contra, pelo contrário. Fomos críticos da lentidão na execução do projeto, que só acelerava o ritmo em período pré-eleitoral", disse Matos.

Concluído o trecho leste, fica pendente o trecho norte da transposição, que além de Pernambuco e Paraíba, vai levar águas do rio ao Rio Grande do Norte e ao Ceará. São 260 km que estão em fase final - dos R$ 9,6 bilhões orçados para toda a transposição, já foram investidos R$ 8,8 bilhões.

No início do ano, o presidente Michel Temer chegou a declarar que as obras do ramal norte ficariam prontas ainda este ano e o Ministério da Integração mantém esse prazo. Nos bastidores, no entanto, se fala que o trecho ficará para 2018, porque a licitação para substituir a Mendes Júnior, que abandonou parte da obra alegando incapacidade financeira em julho, está emperrada. A consórcio vencedor do processo, liderado pela Passarelli foi desclassificado por descumprimento de exigências no edital essa semana. O segundo consórcio colocado, liderado pela Marquise S.A, foi inabilitado logo em seguida e o resultado final da licitação ainda está em aberto.

Outra pendência em relação ao projeto é a indefinição sobre o seu modelo de gestão. Não se sabe, por exemplo, quanto custará o metro cúbico da água até agora. Ainda esse mês, a Codevasf, que a priori ficou a cargo da gestão projeto, deve apresentar uma proposta após conclusão de estudo encomendado à Fundação Getúlio Vargas.