Governo ainda busca receitas e anúncio de corte de gastos é adiado

Fabio Graner e Cristiane Bonfanti

28/03/2017

 

 

Apesar de ter prometido para hoje o anúncio do corte de gastos, a dificuldade em chegar a um entendimento em torno dos aumentos de tributos levou o governo a adiar o anúncio para amanhã ou quinta-feira, a data-limite da lei. Até ontem, o governo só havia conseguido considerar como garantido um ganho de receitas de cerca de R$ 10 bilhões, dos R$ 58,2 bilhões de rombo a ser coberto para viabilizar a meta fiscal.

Nessa conta estão R$ 8,6 bilhões com as receitas de precatórios (dívidas do governo por decisão da Justiça) não sacados e mais algo em torno de R$ 1,5 bilhão relativo à devolução de uma usina que era da Cemig e que teve decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). A usina tem valor estimado em R$ 3,5 bilhões, mas cerca de R$ 2 bilhões já constavam do Orçamento, explicou uma fonte.

Ontem, a Advocacia-Geral da União (AGU) publicou no "Diário Oficial" a regulamentação do resgate de precatórios. Pelo decreto, as procuradorias-regionais da União e procuradorias-regionais federais deverão requerer aos Tribunais Regionais Federais (TRF) que comuniquem casos de requisição de pagamentos depositadas há mais de dois anos e menos de cinco anos. Apesar de o governo sacar esses depósitos, se algum beneficiário buscá-lo, o recurso terá que ser devolvido. A portaria diz que valores inferiores a R$ 10 mil terão regulação posterior.

Além da dificuldade de definir o aumento de impostos, alternativa que não é do agrado do presidente Michel Temer, outra razão para o adiamento do corte é que há dúvidas jurídicas pendentes sobre algumas questões, como a devolução de duas hidrelétricas da Cemig. A inclusão delas na conta de receitas depende de resposta da AGU, pois estão em discussão no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Se essas usinas também puderem ser consideradas, o que ainda não foi autorizado, as receitas extras sobem para a casa dos R$ 17 bilhões, levando a necessidade de corte para R$ 41 bilhões, segundo o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles.

Esse bloqueio, contudo, ainda é considerado muito alto, avaliam técnicos do governo. O volume representa um terço da despesa que efetivamente tem condições de ser cortada e é maior do que o investimento previsto para o ano, os nada brilhantes R$ 37 bilhões.

É nesse contexto que surgiu a possibilidade de subir tributos, de forma a reduzir o tamanho da tesourada. Embora a medida tenha sido dada como praticamente certa nos últimos dias por Meirelles, duas fontes do governo afirmaram que o tamanho do ajuste da receita ainda não estava decidido.

Um dos interlocutores explicou que estava causando preocupação dentro do governo a forte reação que surgiu na sociedade, em especial no segmento empresarial, contra a elevação da carga tributária. A Fiesp, cujo presidente, Paulo Skaf, se reuniu ontem com Meirelles, fez uma ofensiva publicitária contra a ideia do governo. Após a reunião, Skaf reiterou que o momento é "completamente inoportuno" para aumento de impostos.

Meirelles descartou o aumento do IOF sobre câmbio e em parte do crédito, o que já limitou em boa parte seu raio de ação. Nesse campo, sobraram os seguros e as aplicações financeiras com menos de 30 dias. De qualquer forma, ele ainda pode convencer Temer a elevar por decreto outros tributos, como Cide, PIS/Cofins sobre combustíveis, cujo inconveniente inflacionário está sendo levado em conta, e o IPI.

A ideia de uma elevação geral do PIS/Cofins também está em discussão e preparação, porque a decisão do STF contra a inclusão do ICMS na base de cálculo do tributo empurrou o governo para isso. O problema é que precisará convencer o Congresso a aprovar essa medida e a base aliada é fortemente ligada ao empresariado.

Essa dificuldade também deve afetar a ideia e a tramitação da proposta de reonerar a folha de pagamentos e reduzir outros benefícios fiscais que dependam de aprovação do Congresso. Mesmo assim, essa hipótese tem grande chance de avançar, mesmo que seja aprovada só no fim do ano. (Colaboraram Ribamar Oliveira e Lucas Marchesini, de Brasília)

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4223, 28/03/2017. Brasil, p. A3.