China pode usar embargo para forçar negociação maior 

Eliane Oliveira, Gabriela Valente, Vivian Oswald e Eduardo Barretto 

24/03/2017

 

 

País quer regras que facilitem investimentos em infraestrutura no Brasil

-BRASÍLIA E PEQUIM- O governo avalia que os países importadores de carnes têm outros interesses além de explicações técnicas sobre o sistema sanitário brasileiro. Aproveitam falhas apontadas na Operação Carne Fraca, da Polícia Federal, para forçarem a queda dos preços dos produtos no mercado internacional. Um dos exemplos mais gritantes é o da China, que não se comove com os apelos das autoridades brasileiras para retroceder na decisão de suspender todas as importações provenientes do Brasil.

Segundo fontes ligadas ao Palácio do Planalto, a China tem interesses específicos no Brasil, que poderiam ser usados numa negociação para o fim do embargo à carne brasileira. Quer, por exemplo, regras mais claras para participar das concessões, com a definição do ambiente regulatório e do conteúdo local de setores como energia, óleo e gás, de preferência com normas que lhe favoreçam.

O ex-embaixador do Brasil na China Luiz Augusto de Castro Neves lembra que, em 2004, um carregamento de soja com sementes supostamente contaminadas foi barrado naquele país. Isso causou uma forte queda no preço do produto.

— A situação da soja pode se repetir com a carne. A diferença é o apelo midiático — disse o diplomata.

Ciente desse cenário, em que o preço a ser pago pela Operação Carne Fraca poderá ser mais alto do que se pensava, o presidente Michel Temer determinou a criação de um grupo formado por representantes de todos os órgãos envolvidos em comércio exterior, para que façam um levantamento para identificar o que cada um dos países que adotaram barreiras ao Brasil quer em troca do fim da suspensão das importações. Seria uma forma de orientar as negociações para a retomada da credibilidade da carne brasileira.

Por enquanto, não há notícias sobre os resultados das negociações entre o lado brasileiro e o chinês. As reuniões têm sido intensas e a portas fechadas em Pequim. Na terça-feira, a porta-voz do governo chinês, Hua Chunying, afirmou que não há previsão para o fim da restrição.

Em cerimônia no Palácio do Planalto, ontem, durante o lançamento do Portal Único de Comércio Exterior, Temer voltou a lamentar a reação dos parceiros internacionais à operação. Ele disse que a “nacionalidade” contestou o que poderia se transformar em um evento internacional “desastroso”.

— Logo superaremos, esperamos, esse embaraço que pode causar prejuízo ao país, mas, digo eu, será logo superado pela compreensão de todos aqueles, a imprensa colaborou, quando eu falo em nacionalidade, o Brasil todo colaborou para esse fator — afirmou.

EMBARGO ATINGE CARGAS PRÉ-OPERAÇÃO

A decisão da China de suspender as importações brasileiras e reter nos portos todos os carregamentos chegados do Brasil, anunciada na segunda-feira à noite, tem efeitos maiores do que se imaginaria. Aproximadamente 50 mil toneladas de carnes já foram impedidas de entrar no país, segundo relataram fontes ao GLOBO. Trata-se do equivalente a 18 dias de exportações brasileiras para o mercado chinês entre carnes de frangos, suínos e bovinos.

Embora a orientação para segurar a mercadoria só tenha sido divulgada oficialmente esta semana, o sinal de alerta foi acionado pelas autoridades chinesas desde a sextafeira, quando estourou a operação da Polícia Federal no Brasil. Além disso, a medida acaba tendo um efeito mais amplo, ao atingir também cargas que haviam desembarcado no país antes do escândalo e já haviam sido inspecionadas pelas autoridades locais. Elas ainda aguardavam a liberação do certificado de inspeção, que leva, em média, 15 dias para ser emitido.

Não há risco de perdas das mercadorias estocadas, pois chegam congeladas ao país. No entanto, há um outro detalhe que pode prejudicar o Brasil: os chineses mandaram devolver todas as carnes com o selo de classificação CIF 530 da Seara. Ao chegar ao país, os carregamentos sofrem inspeção, pagam tributos e esperam a emissão do certificado para que sejam liberados para a venda no mercado.

A grande preocupação das autoridades brasileiras, neste momento, é que o Brasil nunca vendeu tanta carne para os chineses. São cerca de 80 mil toneladas por mês. Foram cerca de US$ 2 bilhões no ano passado. O Brasil fornece 80% da carne de frango importada pela China. A carne bovina também ganhou destaque na pauta. No ano passado, o Brasil ultrapassou os australianos e se tornou o maior vendedor de carne bovina para o mercado chinês, contribuindo com 29% do total importado. O país é ainda o sétimo fornecedor de carne de suínos.

Para tentar reverter o impasse com os chineses, o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, fez uma conferência com a mídia da China. Ele colocou a culpa de toda a confusão causada em agentes da Polícia Federal e ofereceu aos chineses uma visita surpresa a qualquer fábrica do país para que atestem a qualidade dos processos.

— Podemos ir a qualquer planta sem avisar ninguém. Eu, pessoalmente, irei acompanhar — disse o ministro durante a entrevista às agências internacionais.

Em reunião com a frente parlamentar agropecuária ontem, o presidente Michel Temer informou que editará um decreto nos próximos dias endurecendo as regras de fiscalização e de penalização a fiscais sanitários para evitar irregularidades. O presidente afirmou aos parlamentares que pretende editar o decreto com nova regulamentação de inspeção sanitária até dia 29 deste mês. A ideia, segundo participantes da reunião, é atualizar o Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (Rispoa), decreto da década de 1950.

 

O globo, n. 30545, 24/03/2017. Economia, p. 24