Privatizar é preciso

Roberto Castello Branco

28/03/2017

 

 

Apesar do sério desequilíbrio fiscal, agravado por uma previdência social cheia de privilégios e custo insustentável e das distorções que destroem a produtividade e o crescimento econômico, o Congresso desvia atenções para tentar salvar membros corruptos da Lava-Jato.

É fundamental que o interesse público prevaleça sobre interesses pessoais e a prioridade deva ser a realização das reformas estruturais. Não há incompatibilidade entre reformas estruturais e programas sociais. O crescimento da produtividade é o melhor programa de inclusão social, como demonstra a experiência chinesa nos últimos 40 anos.

Não faz sentido um Estado endividado manter capital alocado em atividades que podem ser exercidas com vantagem pela iniciativa privada, enquanto prioridades sociais, como investimentos em educação, saúde e segurança pública, são negligenciadas. Empresas estatais são movidas por incentivos que não só não conduzem à maximização de eficiência, mas às vezes antagonizam esse objetivo. Costumam ser utilizadas por governos como instrumento político para executar atividades estranhas ao seu objetivo social, abrigar apadrinhados e atuar como fontes de corrupção.

Um dos fenômenos importantes da economia global nos anos 90 foi a redução da intervenção direta do Estado na atividade econômica, com programas de privatização na Europa (emergente e desenvolvida), Ásia e América Latina.

No Brasil, foi executado o Programa Nacional de Desestatização (PND), cujo saldo mostrou-se positivo. Setores inteiros da economia foram privatizados, e o Tesouro Nacional pôde abater US$ 112 bilhões de dívida pública. Adicionalmente, ocorreu a privatização ou liquidação de bancos comerciais estaduais, que atuavam como verdadeiros minibancos centrais e focos de desperdício.

(...)

O propósito efetivo do PND foi a maximização de receita no curto prazo, com a adoção do modelo de "núcleo duro", a venda do controle acionário de estatais para consórcios de investidores, responsável por distorções que impediram a plena realização dos benefícios potenciais da reforma do Estado.

Diferentemente do Reino Unido, em que se procurou conciliar a melhoria das finanças públicas com o desenvolvimento do mercado de capitais, com ampla participação de investidores privados, a experiência brasileira conduziu à predominância do capitalismo de Estado. Em lugar do capitalismo moderno, em que a propriedade das empresas é dispersa entre milhares de investidores, optamos pelo atraso institucional. As empresas desestatizadas passaram a ser controladas por associações de grupos privados com o BNDES e fundos de pensão de grandes estatais, verdadeiras vacas sagradas que por motivos não muito claros não foram incluídas no PND.

Má governança é uma doença crônica entre os fundos de pensão de estatais, principalmente pelo uso político em detrimento de seu propósito original, investir com racionalidade seus ativos para pagar aposentadorias e pensões aos filiados. A influência do governo sobre fundos de pensão é transmitida para as empresas controladas, forçando-as às vezes a tomar decisões conflitantes com a alocação eficiente do capital.

Os males causados pelo capitalismo de Estado em nosso país abundam. Bilhões de reais de crédito subsidiado sem a contrapartida de aumento de investimento e/ou produtividade, quebras de campeões nacionais, como LBR, OGX e Oi, incentivos fiscais que só incentivaram o déficit público, prejuízos bilionários em fundos de pensão de estatais etc. Mais recentemente, eclodiram pressões políticas explícitas para mudar a diretoria da Vale, o que soou esdrúxulo, pois se trata de companhia com centenas de milhares de acionistas privados.

O número de estatais no Brasil ainda é alto, tendo sido engordado nos governos Lula/Dilma. Temos 159 empresas federais, sendo que mais da metade depende fundamentalmente de recursos do Tesouro Nacional, o que por si só sugere potencial para o fechamento de várias delas. Somem-se algumas dezenas de estatais estaduais, atuando em saneamento, energia elétrica, distribuição de gás, bancos e outros.

Simultaneamente ao aumento de quantidade, as estatais expandiram atividades. Os grandes bancos públicos passaram a ter fatia majoritária no estoque de crédito da economia, investiram em bancos privados, administradoras de cartões de crédito, seguros e turismo. Setores privatizados anteriormente, como fertilizantes e petroquímica, voltaram a ter participação estatal, o que começou a se reverter em 2016 com o programa de desinvestimentos da Petrobras.

No serviço de correios, privatizado em vários países como Alemanha, Japão e Inglaterra, a ECT, estatal que registrou prejuízo de R$ 2 bilhões em 2015, anunciou o ingresso na telefonia celular. Parece-nos no mínimo iniciativa desastrada, pois se trata de serviço privatizado há duas décadas, com alto índice de cobertura, de 117 celulares/100 habitantes, e mercado em que a estatal não demonstra ter qualquer expertise.

A privatização contribui no curto prazo para abater dívida pública e ao longo do tempo para elevar a produtividade, o que ajudará a nos libertar do anêmico crescimento do PIB per capita de 0,7% ao ano entre 1980 e 2015. Para a realização do potencial de aumento de produtividade é importante que não se repitam os erros do passado. Sempre que possível, as privatizações devem envolver ofertas públicas de vendas de ações.

Paralelamente aos programas de parcerias público-privadas na infraestrutura, desinvestimentos de ativos da Petrobras e Eletrobras (ainda por acontecer) e as privatizações de estatais estaduais, existe um extenso manancial para privatizar. Nesse contexto, seria recomendável a privatização dos Correios e empresas de gestão de portos, vendas de ações de grandes companhias da carteira da BNDESPAR, como Eletrobras, Petrobras, Vale, JBS e Fibria, e das participações do Banco do Brasil e Caixa em bancos privados (Votorantim, Patagonia e Pan-Americano) e no negócio de seguros.

 

Roberto Castello Branco é pesquisador do Centro de Estudos em Crescimento e Desenvolvimento Econômico da FGV

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4223, 28/03/2017. Opinião, p. A15.