Câmbio, recomposição de estoques e FGTS reanimam Zona Franca

Marta Watanabe

29/03/2017

 

 

Os cerca de R$ 25 bilhões anuais em subsídios concedidos pela União à Zona Franca de Manaus (ZFM) não foram suficientes para evitar o forte tombo de mais de 25% da atividade industrial da região nos últimos dois anos, em meio à pior recessão do país. Mas a expectativa de vendas por conta da liberação de recursos de contas inativas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), a reposição de estoques e a valorização cambial começam a dar um alívio para a atividade industrial da região. A melhora é indicada por dados de produção, comércio exterior e arrecadação.

A importação no Estado do Amazonas cresceu 27% no primeiro bimestre contra igual período de 2016 contra um média de 12% no total de desembarques brasileiros no mesmo período. A importação foi puxada por alta de 28% em bens de capital e 15,7% em intermediários, com avanço de 25% nos insumos industriais, segundo dados do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (Mdic).

Os dados da indústria apontam no mesmo sentido. A produção física no Amazonas cresceu 7,5% em janeiro contra igual mês de 2016 e 0,5% contra dezembro, com ajuste sazonal. Nos dois casos o desempenho foi melhor que a média nacional, que subiu 1,4% e caiu 0,1%, respectivamente.

"A expectativa com o ingresso no mercado dos recursos do FGTS tem levado a produção a se movimentar", diz Wilson Périco, presidente do Centro das Indústrias do Estado do Amazonas (Cieam). Ele explica que as encomendas pelo varejo ainda não começaram, mas as indústrias se preparam para ter o produto quando chegar a demanda esperada. São recursos que devem entrar até julho, destaca, mas ainda não se sabe o impacto, já que parte deve ser usada para pagar dívidas. Representantes do governo federal estimam que cerca de 40% dos R$ 40 bilhões a serem liberados em recursos do FGTS sejam usados no consumo.

O que também ajuda a produção da Zona Franca no momento, diz Périco, é a reposição de estoques. "Ficamos durante oito ou nove meses altamente estocados, e isso foi ajustado recentemente, nas promoções do varejo de fim de ano e de janeiro."

A Secretaria de Fazenda do Amazonas destaca que os índices de produção industrial no Estado iniciaram melhora em novembro, quando passaram a ter crescimento na comparação interanual, o que já se reflete no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). A arrecadação do tributo atingiu R$ 1,21 bilhão no primeiro bimestre, com avanço nominal de 5,01% contra igual período do ano passado.

As empresas incentivadas no Polo Industrial de Manaus registram valores significativos de retomada da produção, considera a Fazenda em nota. O principal item de arrecadação no segmento, o ICMS da compra de insumos importados, que representa 40% da arrecadação do polo, subiu 31,5% no primeiro bimestre deste ano contra igual período do ano passado.

A valorização do real frente ao dólar, diz José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), favorece o fenômeno, porque torna o insumo mais barato. Ele lembra que as importações respondem mais rapidamente ao câmbio e que no Polo Industrial de Manaus isso se reflete mais depressa nos números porque há muitos desembarques aéreos.

A produção de DVDs, tablets e caixas de som no Polo de Manaus foi o que puxou a alta de 20% de faturamento total da Mondial no primeiro bimestre, diz o diretor da empresa, Giovanni Cardoso. A empresa chegou a contratar cem novos trabalhadores na capital amazonense. A Mondial emprega 400 pessoas em Manaus. O executivo explica que a aposta no ramo de produtos eletrônicos já estava programada, mas a valorização do real frente ao dólar é "fundamental para acelerar o processo".

Ao todo, em conjunto com a fábrica na Bahia, a Mondial tem quadro de 3 mil funcionários e, mesmo com a perspectiva de elevação de produção neste ano, a ideia é aumentar a produtividade e, portanto, manter o número total de trabalhadores no mesmo nível. Há, para o ano, diz Cardoso, a expectativa que a liberação de recursos do FGTS ajude na demanda doméstica. "Não dá para saber o quanto disso pode ser usado para consumo, porque uma parte irá para o pagamento de dívidas."

"Mas a expectativa é de que gere também vendas, já que o país tem baixos índices de saturação de eletroportáteis e esses produtos oferecem uma boa relação custo-benefício." Para ele, a liberação do FGTS pode beneficiar as vendas de produtos mais essenciais, como liquidificadores, batedeiras, sanduicheiras e ventiladores.

Carlos Clur, presidente do grupo Eletrolar, que organiza eventos para divulgação de eletroeletrônicos e eletrodomésticos para o varejo, diz que a expectativa é que o FGTS resulte em vendas de produtos de maior valor agregado - celulares, televisores e linha branca. No ano passado, houve queda no volume de vendas das linhas marrom e branca, de informática, eletroportáteis e telefonia. Em termos de valor, porém, o faturamento para eletroportáteis avançou 2% no ano passado contra 2015 e a telefonia, 16%. Os dados são da GFK, encomendados pelo grupo Eletrolar.

"É preciso saber se depois de pagar as dívidas os consumidores terão coragem de se endividar novamente", diz Périco, do Cieam. O consumidor de produtos elétricos e eletrônicos como os produzidos no Polo Industrial de Manaus dependem muito de financiamento, seja bancário ou comercial, ressalta Rafael Cagnin, economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).

De acordo com dados do Mdic, o principal item de importação no primeiro bimestre foram partes para aparelhos de TV, com aumento de 50,4% nas importações, seguidas de partes para celulares e microprocessadores, com altas de 21,1% e 64,8%, respectivamente.

"Na verdade as indústrias estão fazendo uma aposta e é preciso esperar para saber se ela é realmente correta", diz Cagnin. Os recursos das contas inativas do FGTS, afirma ele, serão liberados até fim de julho, mas o efeito disso no consumo, se houver, pode ser diluído no tempo. "O valor sacado deve ser usado para abater dívida e isso pode liberar renda que, mais tarde, possibilitaria o consumo."

Cagnin diz que os dados da indústria em Manaus devem ser olhados com cautela. O aumento de produção, avalia, se deve principalmente à baixa base de comparação, que tende produzir variação positiva no primeiro trimestre.

Segundo dados do IBGE, a produção física em janeiro de 2016 no Amazonas caiu 30,3% contra mesmo mês do ano anterior. Em fevereiro a queda foi de 24,7%. A produção no polo industrial foi mais castigada que a da média brasileira. A produção industrial total do país caiu nos mesmos meses 13,4% e 9,5%, respectivamente. No acumulado de 12 meses em janeiro deste ano a queda é ainda de 7,8% no Amazonas e de 5,4% no total brasileiro.

"O teste será a mudança do trimestre. É preciso verificar como ficará a variação a anualizada no segundo trimestre porque a redução dos patamares de queda da produção física vieram nesse período em 2016", analisa Cagnin. Périco, do Cieam, também é cuidadoso. "Sem dúvida os indicadores do primeiro bimestre apontam uma melhora, mas não sabemos se isso será sustentado ou se é apenas um pico."

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4224, 29/03/2017. Brasil, p. A6.