MPT pede explicações sobre a exclusão de 17 nomes da lista do trabalho escravo

Ricardo Mendonça

29/03/2017

 

 

O Ministério Público do Trabalho (MPT) questiona a justificativa usada pelo governo federal para excluir 17 nomes de empregadores da chamada lista suja do trabalho escravo, o cadastro oficial de empresas e pessoas físicas flagradas nesse tipo de crime.

O imbróglio começou na quinta-feira passada, quando o Ministério do Trabalho, cumprindo decisão judicial, publicou em seu site uma lista com 85 empregadores flagrados. Os nomes estavam associados à exploração de mão de obra de 1.231 trabalhadores em condições análogas à escravidão (a combinação de trabalho forçado, servidão por dívida, ambiente degradante e jornada exaustiva). Minutos após a divulgação dos nomes, porém, o ministério retirou o documento do ar e publicou nova listagem, dessa vez com 68 nomes.

Atualizada semestralmente pelo governo de 2003 a 2014, a lista suja só relaciona casos em que não há mais possibilidade de recurso administrativo. Costuma ser usada por empresas de varejo para vetar ou excluir eventuais fornecedores. Bancos também a utilizam para recusar ou suspender financiamentos.

Entre os 17 nomes excluídos da lista pelo governo há uma empresa grande, uma carvoaria, uma empreiteira e várias fazendas. Não há um padrão aparentemente entre elas. São de diferentes regiões do país, autuadas em épocas diversas e por grupos de fiscalização distintos.

Segundo o governo, a lista originalmente publicada, com 85 empregadores, estava errada. Por meio da assessoria de imprensa, o Ministério do Trabalho informou que a primeira relação misturava casos já encerrados no âmbito administrativo com casos de empregadores que ainda podem recorrer. As 17 empresas suprimidas, informou, estão nessa situação.

Para o procurador Tiago Cavalcanti, do Ministério Público do Trabalho, a explicação não parece procedente. "Fizemos uma análise de nomes excluídos e percebemos que essa explicação não se justifica. Os casos que analisamos, cerca de metade dos excluídos, já foram até encaminhados à Procuradoria da Fazenda Nacional para a cobrança de multa. Isso só ocorre quando não cabe mais recurso administrativo", afirma.

Documentos gerados pelo Valor no sistema aberto do ministério informam que empresas excluídas já pagaram multa e já tiveram o caso arquivado internamente, outra evidência de esgotamento de processo administrativo.

Cavalcanti é titular da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo do Ministério Público do Trabalho. Ele afirma que enviou ofício ao governo solicitando esclarecimentos. "O caso gera muita estranheza", afirma. "Com base nas informações disponíveis, há um aparente descumprimento de ordem judicial ao excluir 17 nomes sem justificativa razoável. Em tese, um caso passível até de improbidade administrativa contra o ministro".

A divulgação da lista suja do trabalho escravo ocorre após mais de dois anos de acirrada disputa jurídica. No fim de 2014, atendendo solicitação de uma entidade do setor imobiliário, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu sua publicação em decisão liminar.

Após o governo reformar critérios para inclusão e exclusão de empregadores, a mesma corte cancelou sua decisão. Já sob o comando do presidente Michel Temer, porém, o governo não voltou a publicar o documento.

No fim de 2016, um juiz, também por liminar, ordenou a divulgação imediata da lista, atendendo solicitação do MPT. O governo recorreu ao Tribunal Regional do Trabalho (TRT) do Distrito Federal para não publicá-la, perdeu, mas obteve sucesso na segunda tentativa, também via liminar, num recurso decidido pelo presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Ives Gandra Martins Filho.

Sorteado para relatar o tema no tribunal, o ministro Alberto Bresciani devolveu a decisão ao TRT, obrigando então a publicação imediata.

Mesmo tendo publicado a lista na quinta-feira passada, o governo federal recorreu ao Supremo para tentar derrubá-la. Alega que ainda discute critérios para entrada e exclusão de empregadores no cadastro.

Valor solicitou entrevista com algum representante do Ministério do Trabalho para tratar do tema. A pasta informou que não tinha funcionário disponível para atender à reportagem.

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4224, 29/03/2017. Brasil, p. A6.