Investigação de corrupção tem de prosseguir na Carne Fraca

25/03/2017

 

 

Anunciada como “a maior operação da história da Polícia Federal", a Carne Fraca completou uma semana ontem com um saldo negativo, principalmente na balança comercial. Pelo menos dez países, entre eles a China, decretaram embargo total à carne brasileira. União Europeia e seis nações suspenderam as compras dos 21 frigoríficos investigados. Na última terça-feira, o total de carnes bovina, de frango e suína embarcadas ao exterior despencou de uma média diária de US$ 63 milhões para US$ 74 mil. Em Hong Kong, as redes McDonald’s e KFC decidiram banir a carne brasileira de seus cardápios. Na quinta-feira, o grupo JBS, dono das marcas Friboi, Seara e Swift, suspendeu por três dias a produção de carne bovina em 33 de suas unidades e anunciou que retomará as atividades, na próxima semana, com um corte de 35%.

Após um encontro entre o secretário-executivo do Ministério da Agricultura, Eumar Roberto Novacki, e o diretor-geral da Polícia Federal, Leandro Daiello, na terça-feira, quando os estragos no mercado externo já estavam consumados, PF e ministério divulgaram comunicado conjunto para dizer que o foco da Carne Fraca eram os desvios de conduta praticados por fiscais e não o mau funcionamento do Sistema de Inspeção Federal (SIF), que, segundo a nota, “garante produtos de qualidade ao consumidor brasileiro”. Ao mesmo tempo, o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, protagonizava um périplo por frigoríficos, em alguns deles acompanhado por jornalistas chineses, para atestar a saúde da carne brasileira.

Mas, se a operação não era para pôr em dúvida a qualidade da carne e sim desvendar o esquema de corrupção no setor, uma semana depois, sabese menos sobre as delituosas relações entre servidores e frigoríficos do que sobre a venda de produtos adulterados. Até agora, não foi suficientemente explicado por que frigoríficos pagavam propinas a fiscais federais e o que pretendiam encobrir com isso. Os superintendentes do Paraná, Gil Bueno de Magalhães, e de Goiás, Júlio César Carneiro, foram sumariamente afastados do Ministério da Agricultura, mas os motivos não foram revelados. As gestões do ex-superintendente do Paraná Daniel Gonçalves Filho, preso na operação e apontado pela PF como chefe da organização criminosa, também não foram detalhadas. É preciso esclarecer ainda a promíscua relação que levava frigoríficos a escolherem os fiscais que os inspecionavam, chegando ao cúmulo de conseguir trocá-los quando não lhes agradavam.

Outra questão que precisa ser esclarecida são as ramificações. Sabe-se que cerca de 70% das 27 superintendências do ministério nos estados eram preenchidos por indicações políticas. E escutas telefônicas da Carne Fraca mostraram que superintendentes federais sofriam pressões de Brasília.

As inconsistências na Operação Carne Fraca sobre a qualidade da carne não podem impedir o avanço das investigações sobre o grave esquema de corrupção montado na fiscalização. Após uma semana, a PF ainda deve explicações.

O globo, n.30546 , 25/03/2017. Editorial, p. 16