Os vários rombos

Míriam Leitão

25/03/2017

 

 

O Fies custou no ano passado R$ 32 bilhões. O diagnóstico foi resultado de um levantamento feito no governo e será anunciado em breve. No mês que vem, o programa será reapresentado com outra fórmula. O Fies é um gasto financeiro, por isso é menos visível, mas o subsídio implícito é de R$ 11,4 bilhões. Só de tarifa bancária do Fies o governo paga R$ 1 bi.

De depósito em um fundo para cobrir o risco de inadimplência, o governo gastou no ano passado R$ 564 milhões. O problema é que isso cobre apenas um calote de até 10%. Há o risco de, quando chegar na hora de pagar, a inadimplência dos estudantes financiados seja maior.

Na arrumação da casa que a área econômica tenta fazer, ela se depara com informações assim. O Fies, que era uma boa ideia inicialmente, foi expandido de forma irresponsável, fez a alegria de grupos educacionais privados, e agora ficou uma conta insustentável. Para mantê-lo, o governo teve que elevar a dívida pública. E o estudante que realmente precisa desse programa vive a insegurança.

A área econômica do governo passou as últimas horas debruçada sobre as formas de cobrir um rombo de R$ 58 bilhões no Orçamento. Desse valor, R$ 35 bilhões são de revisão do ritmo de crescimento do país. Na época em que o Orçamento foi feito, em agosto do ano passado, a expectativa que o mercado tinha era de um crescimento de 1,4%. O governo calculou uma alta do PIB de 1,6%, e agora teve que rever para 0,5%.

Já se sabe que o rombo será em parte coberto com corte de gastos e em parte com aumento de impostos. Mas o engessamento do Orçamento brasileiro, esse velho problema, está de novo tornando difícil a tarefa. O total de despesas primárias é R$ 1,326 trilhão. Parece fácil cortar R$ 58 bi desse montante. O problema é que tirando as receitas que já têm destino certo, e os programas sociais, como Bolsa Família, segurodesemprego, chega-se a um volume de R$ 120 bi, mas dentro há os recursos do PAC. E no PAC não pode haver contingenciamento, apenas postergação de pagamentos. O valor de investimento previsto é de R$ 37 bilhões. Isso reduz a R$ 90 bilhões o volume disponível, de onde é impossível tirar todos os R$ 58 bi.

O Banco Mundial tem feito análises importantes dos gastos do governo dentro do programa que a instituição tem em outros países, o Expenditure Review.

— Os dados são estarrecedores. O Orçamento brasileiro é o mais engessado do mundo. Em um ano como 2016, que o país não crescia, as despesas tiveram que aumentar, porque há gastos atrelados ao INPC, que ficou acima de 11%. Isso fez todo o gasto público subir — disse um economista.

Tem sido feito também a análise da qualidade dos gastos. Um dado que surpreendeu foi que o Benefício de Prestação Continuada (BPC) é muito menos progressivo do que se imaginava, ou seja, tem impacto de redução da pobreza, mas numa intensidade muito menor que o Bolsa Família. Uma forma de analisar isso foi pegar a população beneficiada pelos programas e dividir por quintis de renda, ou seja, os primeiros 20% mais pobres, depois os outros 20% até chegar nos 20% mais ricos.

No Bolsa Família, nos 20% mais pobres estão 56% dos que recebem o benefício, os outros 20%, logo acima em termos de renda, ficam com 26%, o terceiro quintil fica com 10%. As duas faixas mais altas de renda ficam com 3%.

Já no BCP, a distribuição é bem menos focada nos pobres. Os 20% mais pobres ficam com 12%. Os outros 20% logo acima são 19% dos beneficiados. Na terceira faixa de renda ficam 26%, na quarta, 24%, e entre os 20% mais ricos ficam 19%. O Benefício é pago para pessoas acima de 65 anos ou portadores de deficiência. Em 2015, 18,7% dos benefícios foram concedidos por decisões judiciais. O beneficiado entrou na Justiça e ganhou.

Por isso, a convicção na área econômica é que, se o governo quiser ampliar o gasto com os mais pobres, a melhor forma será através do Bolsa Família. O BCP está no meio do debate da Previdência, porque a proposta eleva de 65 anos para 70 anos a idade para ter acesso ao benefício, e o argumento dos políticos é que é um recurso gasto com os mais pobres. Pelo que este estudo mostra, o BCP é muito menos focado que o Bolsa Família.

O globo, n.30546 , 25/03/2017. Economia, p. 20