Salvas pela leniência 
Renata Mariz 
23/03/2017
 
 
Pela ajuda nas investigações, três empreiteiras poderão continuar a fazer obras com a União

-BRASÍLIA- O Tribunal de Contas da União (TCU) declarou a inidoneidade de quatro das sete empresas envolvidas em irregularidades na construção de Angra 3, no Rio de Janeiro. Foram preservadas da proibição de firmar novos contratos com a administração pública federal as empreiteiras Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Côrrea, graças a um entendimento formulado pelo órgão após negociação com a força-tarefa da Lava-Jato no Paraná.

Segundo o relator do caso no TCU, ministro Bruno Dantas, as três empreiteiras salvas por enquanto da punição merecem tratamento diferenciado porque firmaram, anteriormente, acordos de leniência com o Ministério Público Federal (MPF) para contribuir com as investigações. O entendimento cria um precedente no órgão que poderá beneficiar outras empresas.

O processo no TCU relacionado à Odebrecht, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez ficará interrompido por 60 dias até que os procuradores da República façam um aditamento aos termos de colaboração existentes. O objetivo será avançar nas informações requeridas pelo tribunal de contas. Depois disso, o caso será reanalisado pelo plenário do TCU que decidirá se as empreiteiras serão poupadas da punição.

— As empresas deverão trazer elementos, como notas fiscais e documentos contábeis, que permitam calcular com precisão o dano, aquilo que foi desviado dos cofres da Eletrobras, e também uma possibilidade de se identificar com precisão quem são os agentes responsáveis por esses desvios — disse Dantas.

DECISÃO AFETA OUTROS CASOS

O acórdão foi aprovado por unanimidade no plenário do TCU após um longo voto do relator. As empresas declaradas inidôneas são a UTC, Queiroz Galvão, Techint e Empresa Brasileira de Engenharia. Elas ficam proibidas de contratar com a Administração Pública Federal por cinco anos — tempo máximo previsto na lei — por terem cometido fraude à licitação.

O ministro Dantas afirmou, porém, que a pena pode ser suspensa caso as empreiteiras firmem acordos de colaboração. Até as empresas já beneficiadas no processo julgado ontem poderão se valer do mesmo entendimento em outros casos fiscalizados no TCU, como o da refinaria Abreu e Lima, em que estão envolvidas.

— O plenário do TCU não muda de posição do dia para a noite. O que ele decidiu hoje foi a aprovação de um conceito, e esse conceito certamente será aplicado em todos os casos — explicou o ministro.

Segundo Dantas, serão exigidas contrabém das empresas, como o compromisso de não recorrer de valores cobrados como ressarcimento do dano ao Erário. As empreiteiras, por sua vez, poderão ter benefícios como extinção de juros e multa, e parcelamento no pagamento do ressarcimento aos cofres públicos.

— A colaboração pressupõe essa admissão de responsabilidade. Em vez de esperar ir para execução fiscal, as empresas têm que comparecer e pagar o que desviaram dos cofres da Eletrobras — afirmou o ministro.

Para cobrar o valor do dano a ser devolvido, o TCU pretende adotar uma cláusula usada no Estados Unidos, segundo a qual uma auditoria independente analisará as finanças da empresa para definir quanto ela tem condições de pagar por ano. A ideia é que o tribunal possa participar do processo para garantir a lisura.

Dantas assinalou que acordos de leniência firmados entre empresas investigadas e outros órgãos, além do MPF, poderão ser usados pelo TCU como base para negociar uma punição mais branda. A negociação entre o ministro e a força-tarefa da Lava-Jato, noticiada pelo colunista do GLOBO Merval Pereira no último sábado, contrariou a Controladoria-Geral da União (CGU), que teme ficar esvaziada.

— Por que negociamos com o MP? Porque ele assinou um acordo de leniência. Se a CGU tivesse assinado o acordo, seria com a CGU que estaríamos conversando — justificou Dantas.

Segundo o ministro, os danos aos cofres públicos de todo o empreendimento de Angra 3 são de R$ 400 milhões. Considerando atualizações e multa, o valor poderá chegar a R$ 1,5 bilhão, aponta Dantas. O acórdão votado ontem refere-se apenas aos contratos de montagens eletromecânicas da obra.

A Construtora Queiroz Galvão informou, em nota, que recorrerá. “A empresa utilizará os recursos cabíveis para esclarecer os fatos e preservar suas atividades no mercado brasileiro”, diz o texto. A UTC, que também apelará contra a decisão, diz que negocia desde 2015 um acordo de leniência com a CGU e tampartidas com o MPF. Os grupos Techint e Empresa Brasileira de Engenharia não atenderam aos contatos do GLOBO.

Em nota, a Andrade Gutierrez afirmou que “desde o início da sua colaboração com o MPF se manteve disposta a seguir colaborando”, inclusive com outros órgãos, e que “vai aguardar mais detalhes sobre a forma de colaboração proposta pelo TCU para se manifestar”. A Camargo Côrrea divulgou nota em que diz receber “com satisfação” a decisão do TCU apontando “que os esforços para corrigir irregularidades e aprimorar seus programas de compliance começam a ser reconhecidos pelas autoridades”. A Odebrecht não se manifestou.

“A colaboração pressupõe admissão de responsabilidade. Em vez de esperar a execução fiscal, as empresas têm que pagar o que desviaram”

Bruno Dantas

Ministro do TCU

 

O globo, n. 30544, 23/03/2017. País, p. 3