Delatores: Cabral recebeu propina via doações oficiais

Juliana Castro

16/03/2017

 

 

Depoimentos da Andrade Gutierrez indicam uso de caixa 1 para ocultar desvio

 

Em depoimentos do processo da Operação Calicute prestados ontem, o ex-executivo da Andrade Gutierrez Clóvis Primo e o superintendente Alberto Quintaes afirmaram que parte da propina exigida pelo ex-governador Sérgio Cabral (PMDB) foi paga por meio de doações oficiais em 2010.

A revelação vem no momento em que o Supremo Tribunal Federal (STF) se debruça sobre o assunto. A Segunda Turma da Corte aceitou, no último dia 7, denúncia contra o senador Valdir Raupp (PMDB-RO), que teria usado o caixa 1 para dar aparência legal ao recebimento de vantagem ilícita da Queiroz Galvão.

No caso de Cabral, os ex-executivos da Andrade Gutierrez não esclareceram o valor e nem se a quantia foi destinada a outros partidos da coligação.

— No (caso do) Maracanã, o dinheiro era entregue em espécie e em alguns depósitos de campanha — afirmou Clóvis Primo. — Teve doação oficial, mas era propina — completou.

Quintaes afirmou ainda que, nessa mesma eleição, nem todas as doações envolveram irregularidades. Ao responder a um questionamento sobre as doações, ele disse que “alguma coisa foi paga oficialmente”. O superintendente aderiu ao acordo de leniência firmado entre a Andrade Gutierrez e o Ministério Público Federal. Ele, Clóvis e o ex-presidente da empreiteira Rogério Nora confirmaram o pagamento de propinas a Cabral. Clóvis e Nora são delatores da Lava-Jato.

O ex-presidente da construtora disse que outras empresas do consórcio, por exemplo, do PAC de Manguinhos, pagaram vantagens indevidas a Cabral.

 

— Com certeza (outras empresas do consórcio pagaram propina). Era um compromisso do consórcio — disse Nora, ao ser questionado pelo juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio.

Clóvis Primo contou que os pedidos de propina no governo Cabral começaram com o pagamento de uma mesada de R$ 350 mil:

— Em 2007, quando começou o novo governo, a Andrade Gutierrez queria participar de algumas obras, como a do Arco Metropolitano, o programa das favelas. Então, nessa mesma época, recebi a informação do Rogério (Nora) sobre a solicitação de pagamento de um valor mensal (para o então governador) até que as obras fossem contratadas. Depois, o valor pago era de 5% do valor das obras que a Andrade Gutierrez participava.

Cabral e a ex-primeira-dama Adriana Ancelmo, réus no processo e presos em Bangu 8, pediram dispensa e não acompanharam as declarações. Em outro depoimento, a gerente da joalheria Antonio Bernardo no Shopping da Gávea, Vera Lucia Guerra, disse que Cabral e Carlos Miranda, apontado pelo MPF como operador do peemedebista, compravam peças com desconto e em datas comemorativas.

— Era sempre com desconto especial e sem nota fiscal, a pedido dele — disse Vera, sobre Carlos Miranda e confirmando que o mesmo era feito com Cabral.

Vera afirmou que Cabral e Miranda eram os dois únicos clientes da loja que compravam sem notas fiscais. No depoimento dado no dia da deflagração da Calicute, a gerente havia dito não saber se houve ou não nota fiscal.

 

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CINCO FATOS SOBRE A LISTA

1 JANOT APRESENTOU 320 PEDIDOS AO SUPREMO

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, apresentou 320 pedidos baseados na delação dos 78 executivos e ex-executivos da Odebrecht. Ao todo, são 83 solicitações de abertura de inquérito, sete arquivamentos, 211 casos em que pede para serem transferidos para outros tribunais e 19 outras providências — que podem ser, por exemplo, busca e apreensão. Todo o material está em sigilo. Os pedidos já foram catalogados e ganharam numeração no STF, mas seguem sob sigilo. O material ainda precisa ser digitalizado e analisado pelo relator, o ministro Edson Fachin. Depois de receber os processos, ele vai decidir o que fica no STF e o que será baixado para outras instâncias. Só depois disso é que tomará a decisão de derrubar o sigilo das investigações.

 

2 O SIGILO DOS DEPOIMENTOS SERÁ MANTIDO

Janot pediu para levantar o sigilo apenas de parte da delação da Odebrecht que faz referências a crimes cometidos no Brasil. Mesmo nesse caso, há trechos que não serão revelados porque podem atrapalhar as investigações. Deverão permanecer em segredo ainda os depoimentos sobre ilegalidades da Odebrecht no exterior. Essa parte das investigações só deverá se tornar pública a partir de junho, atendendo um pedido dos investigadores de dez países (Argentina, Chile, Colômbia, Peru, México, Equador, Panamá, Venezuela, República Dominicana e Portugal), que também estão usando os depoimentos para apresentar denúncias contra autoridades que cometeram ilícitos com a empreiteira, conforme constam dos acordos da PGR com investigadores de outros países.

 

3 EDSON FACHIN DARÁ INÍCIO A UM LONGO PROCESSO

O ministro Edson Fachin, relator da Operação Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), decidirá agora sobre a instauração de inquéritos, o desmembramento das ações de quem não possui foro privilegiado e outras medidas de investigação pedidas pelo procurador-geral, Rodrigo Janot. Essas decisões são apenas o pontapé inicial de todo processo. Depois disso, há a produção de provas por parte da Polícia Federal (PF) e do Ministério Público (MP), com depoimentos e novos documentos. Em seguida, o MP precisa apresentar uma denúncia ou, se não conseguir avançar nas investigações, solicitar o arquivamento do inquérito. Caso as denúncias sejam aceitas pela suprema Corte, os investigados se tornam réus e passam a responder pelos crimes que foram acusados. Em todas as decisões, Fachin conta com a ajuda de dois juízes auxiliares lotados em seu gabinete: Paulo Marcos de Farias — que integrava a equipe de Teori Zavascki, relator da Lava-Jato até janeiro, quando morreu num acidente aéreo — e Ricardo Rachid de Oliveira, que já trabalhava com Fachin.

 

4 TODAS AS INSTÂNCIAS DO JUDICIÁRIO SERÃO ACIONADAS

O Poder Judiciário será acionado para julgar casos de corrupção, delatados pela Odebrecht, em todas as suas instâncias, porque vários crimes foram cometidos por agentes públicos que não têm mais prerrogativa de foro. No STF, apenas réus com foro serão julgados pela segunda turma da Corte. O plenário vai analisar somente os casos dos presidentes da Câmara e do Senado. Outras denúncias terão de ser apreciadas pelo STJ, por envolverem governadores de estado, por exemplo. Há ainda dezenas de casos que devem ser julgados na primeira instância. Outros ligados à Petrobras seguirão para o juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba. Investigações relacionadas à Eletrobras acabarão nas mãos do juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio. Há também investigações surgidas da Operação LavaJato em curso na Justiça Federal de Brasília e de São Paulo.

 

5 JÁ SE SABE QUE ESSES ESTÃO NA LISTA DE JANOT:

Já são conhecidos 14 nomes do PMDB, partido do presidente Michel Temer. O PT tem 11 nomes na lista, e o PSDB, seis. O DEM soma dois filiados na listagem, e há os partidos PSD, PRB, PSB e PTB com um integrante cada na lista. São seis ministros de Temer e cinco governadores. Entre os ministros estão: o da Casa Civil, Eliseu Padilha (PMDB); da Secretaria-Geral, Moreira Franco (PMDB); das Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira (PSDB); da Ciência e Tecnologia, Gilberto Kassab (PSD); das Cidades, Bruno Araújo (PSDB); e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Marcos Pereira (PRB). Todos, se investigados, responderão ao processo no STF. Também foram pedidas investigações dos governadores do Rio, Luiz Fernando Pezão (PMDB), de Alagoas, Renan Filho (PMDB), de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT), do Acre, Tião Viana (PT), e do Paraná, Beto Richa (PSDB). Se autorizadas, essas investigações serão feitas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Os procuradores também querem investigar os seguintes senadores: o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), e seus colegas Aécio Neves (PSDB-MG), Romero Jucá (PMDB-RR), Renan Calheiros (PMDB-AL), Edison Lobão (PMDB-MA), José Serra (PSDB-SP), Lindbergh Farias (PT-RJ), Jorge Viana (PT), Marta Suplicy (PMDB-SP) e Lídice da Mata (PSB-BA). E os deputados: o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEMRJ), e seus colegas Marco Maia (PT-RS), Andrés Sanches (PTSP), Lúcio Vieira Lima (PMDBBA), José Carlos Aleluia (DEMBA) e Paes Landim (PTB-PI). Todos, por terem foro privilegiado, também só serão julgados pelo STF. A PGR também pediu para investigar os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Dilma Rousseff (PT); os ex-ministros Guido Mantega (PT), Antonio Palocci (PT) e Geddel Vieira Lima (PMDB); o ex-governador Sérgio Cabral; o deputado cassado Eduardo Cunha; o prefeito de Ribeirão Preto, Duarte Nogueira; o presidente da Fiesp, Paulo Skaf; o prefeito de Araraquara, Edinho Silva; e o ex-assessor de Dilma, Anderson Dorneles. Todos devem ser julgados por instâncias inferiores da Justiça por não terem foro privilegiado. Temer, mesmo citado em depoimentos, não pode ser processado por atos anteriores ao mandato por determinação da Constituição Federal.

 

O globo, n.30537 , 16/03/2017. País, p. 4