Carne Fraca presta desserviço ao combate à corrupção

23/03/2017
 
 

Após os estragos feitos no comércio exterior pelas falhas na Operação Carne Fraca, a Polícia Federal e o Ministério da Agricultura informaram que, embora as investigações visem “a apurar irregularidades pontuais no Sistema de Inspeção Federal (SIF)”, os fatos se relacionam diretamente aos desvios de conduta de servidores “e não representam um mau funcionamento generalizado do sistema sanitário brasileiro". O comunicado conjunto pode apaziguar ânimos, mas não põe fim a questões cruciais. Como a explicação sobre como funcionava o esquema de corrupção envolvendo frigoríficos e funcionários do ministério, alguns ocupando cargos importantes. E se isso afetava a qualidade dos produtos comercializados.

Desde o início, erros crassos, falta de informações, ações baseadas em depoimento de um único fiscal, falta de laudos, entre outros, acabaram municiando quem desgosta das forças-tarefas de combate à corrupção, a Lava-Jato, a principal delas. Não por acaso, os que se sentem atingidos ou ameaçados por essas ações já começam a se movimentar em Brasília. Usando como argumento os excessos cometidos pela PF na Carne Fraca, senadores de vários partidos ganharam fôlego e retomaram o projeto que muda a legislação para endurecer a punição de crimes de abuso de autoridade. O bombardeio à operação tem vindo de todos os lados. E não apenas do agronegócio. O presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal, Carlos Eduardo Sobral, disse que foi um erro de comunicação a forma como a operação foi divulgada. A Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais afirmou que provas apresentadas eram quase exclusivamente contingenciais, o que fez com que servidores tirassem conclusões precipitadas e erradas.

O juiz Marcos Josegrei da Silva, da 14ª Vara Federal de Curitiba, que autorizou a realização de escutas telefônicas para a Operação Carne Fraca, encarregou-se de corrigir o rumo da questão. Para ele, não se trata de condenar a cadeia produtiva e o sistema de fiscalização, mas de “apurar indícios de condutas delituosas de servidores públicos em posições-chave".

De fato, as falhas na condução da Operação Carne Fraca não podem servir para ocultar o aspecto de corrupção revelado pelas investigações. O Ministério da Agricultura exonerou os superintendentes do Paraná, Gil Bueno de Magalhães, e de Goiás, Júlio César Carneiro, acusados de integrar o esquema criminoso. Mas a questão não se encerra aí. É preciso esclarecer como esses funcionários chegaram aos cargos e como agiam em favor dos frigoríficos. A ex-ministra Kátia Abreu, senadora, disse ter cedido a pressões políticas, inclusive de seu partido, o PMDB, para, como ministra da Agricultura, nomear Daniel Gonçalves Filho — ex-superintendente do Paraná preso na operação e apontado como chefe da organização criminosa — a quem se referiu como “bandido” e “marginal”. 

 

O globo, n. 30544, 23/03/2017. Editoriais, p. 18