Terceirização liberada 
Bárbara Nascimento e Geralda Doca 
23/03/2017
 
 
Câmara aprova projeto que permite a empresas terceirizarem até suas atividades-fim

-BRASÍLIA- Após quase nove horas de votação, a Câmara dos Deputados concluiu ontem a aprovação do projeto que libera a terceirização do trabalho até nas atividades-fim das empresas. O texto-base foi aprovado por 231 votos favoráveis e 188 contrários, e nenhum dos destaques apresentados pelos deputados com a intenção de alterar o texto foi acolhido. Agora, o projeto seguirá para sanção presidencial.

A proposta aprova a terceirização e regulamenta a prestação de serviços temporários. Ela amplia a possibilidade de oferta desses serviços tanto para atividades-meio (que incluem funções como limpeza, vigilância, manutenção e contabilidade), quanto para atividades-fim (que inclui as atividades essenciais e específicas para o ramo de exploração de uma determinada empresa). Hoje, a terceirização só é permitida para atividades-meio.

O projeto também amplia o uso de trabalho temporário dos atuais três meses para seis meses, prorrogáveis por mais 90 dias. Nesta semana, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, chegou a se posicionar afirmando que, da forma como é hoje, a legislação engessa a relação de trabalho e impede que as empresas contratem mais.

Apesar de a pauta ter o apoio do governo e da presidência da Casa, a oposição conseguiu adiar a votação por várias horas, com requerimentos para retirar o projeto da ordem do dia e destaques para alterar a proposta. Os deputados modificaram o texto substitutivo que veio do Senado Federal em dois itens, com a anuência do Palácio do Planalto.

SEM ANISTIA A MULTAS DAS EMPRESAS

Primeiro, foi suprimido um artigo que anistiava as penalidades, como multas trabalhistas, aplicadas às empresas antes da aprovação da lei. Segundo o relator, deputado Laércio Oliveira (PSDSE), isso faria com que a União deixasse de arrecadar R$ 12 bilhões. A Câmara também incluiu no texto um artigo que havia sido suprimido pelos senadores, que trata da regulamentação do trabalho temporário para atividades-fim.

O quórum de aprovação da terceirização, 231 votos favoráveis, é um sinal amarelo para o governo. Para conseguir votar a reforma da Previdência, outro tema polêmico que tramita na Casa, serão necessários, no mínimo, 308 votos favoráveis, muito acima do conseguido nesta quarta-feira.

O governo enfrentou muita resistência da oposição, que argumentou que o projeto retira direitos dos trabalhadores e fará com que as empresas promovam uma “pejotização” dos funcionários.

— Nós estamos votando um projeto que simplesmente aniquila as relações de trabalho do ponto do trabalhador. Vocês querem terceirizar a atividade-meio para todas as áreas. O mais grave é que vocês vão contratar todo mundo por contrato temporário — afirmou a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ).

O relator rebateu os argumentos da oposição e disse que o projeto apenas consolida uma prática já existente. Ele disse não acreditar que as empresas terceirizarão todas as funções.

— O que fizemos foi consolidar em lei tudo que na prática já existe. Qual é a diferença? Ela é a ampla. Isso quer dizer que você pode terceirizar qualquer atividade. Isso não quer dizer que tudo será terceirizado. Eu pessoalmente acredito que nem tudo será terceirizado nas empresas. Mas a gente enfrentava um problema muito sério. Quando as contratantes queriam avançar na contratação de determinadas categorias, esbarrava numa exigência do Ministério do Trabalho que punia as empresas. Porque ele entendia que aquilo era atividade-fim.

Existe um outro projeto que trata de terceirização no Congresso, aprovado pela Câmara dos Deputados em 2014 e que recebeu vários adendos. Entre eles, estão a obrigatoriedade para que empresas contratantes retenham na fonte impostos e contribuições de todos os profissionais prestadores de serviços. A legislação atual determina a retenção na fonte somente nos contratos de cessão de mão de obra, como atividades de vigilância, limpeza, informática. Aprovado, o texto também seguirá para sanção.

A ideia do governo é juntar as duas propostas para regulamentar o processo de terceirização, numa espécie de mix. Porém, como elas têm alguns pontos divergentes, devem ser vetados alguns itens e sancionados outros.

Uma divergência central diz respeito à responsabilidade da empresa contratante: o projeto aprovado ontem na Câmara cria a responsabilidade subsidiária, em que no caso do não pagamento dos direitos trabalhistas, o trabalhador aciona primeiro a empresa prestadora de serviço e, se ela não comparecer, a contratante. Já o do Senado institui a responsabilidade solidária, em que o trabalhador pode escolher a quem acionar judicialmente.

O governo prefere a primeira opção — defendida pelos empresários. A retenção de impostos e da contribuição previdenciária também deve ser mantida pelo presidente, apesar das queixas dos empresários de que a medida representa antecipação de tributos.

O projeto da Câmara é mais simples e não entra na questão tributária. Apenas abre a possibilidade irrestrita para a contratação de terceirizados e veda que esse tipo de contrato seja firmado nos casos de existência de vínculo empregatício. Este item também está previsto na proposta do Senado.

O setor produtivo reclama que o texto enviado ao Senado, depois de uma verdadeira batalha campal na Câmara, tem muitos penduricalhos e não resolve de forma definitiva a questão da insegurança jurídica. Ele autoriza, por exemplo, a terceirização de “parcela de qualquer atividade” da contrante. Por isso, os empresários intensificaram a atuação na Câmara e no governo para votar primeiro o projeto mais antigo.

O QUE MUDA NAS REGRAS

ATIVIDADE-FIM: A empresa poderá terceirizar todos os seus trabalhadores, inclusive os que atuam na atividade-fim. Hoje, a terceirização está restrita às atividades-meio, como funções como limpeza, vigilância, manutenção e contabilidade. Agora, atividades essenciais poderão ser terceirizadas. Assim, uma escola poderá ter professores terceirizados.

DIREITOS TRABALHISTAS: O projeto cria a responsabilidade subsidiária. Em caso de não pagamento dos direitos trabalhistas, o funcionário precisará acionar primeiro a empresa prestadora de serviço e, só depois, caso não consiga receber, poderá processar a companhia contratante.

TEMPORÁRIOS: O prazo máximo do contrato temporário foi ampliado de três para seis meses, prorrogáveis por mais três.

_________________________________________________________________________________________________________

Mudança é elogiada por empresas e divide opiniões de especialistas

Marcello Corrêa 

23/03/2017

 

 

Economistas veem relação de trabalho mais frágil e aumento da competitividade

A aprovação do projeto de lei que regulamenta a terceirização no país é elogiada por associações empresariais, criticada por movimentos sindicais e divide a opinião de especialistas em mercado de trabalho. O ponto mais polêmico é a ampliação das atividades que podem ser terceirizadas. Até então sem legislação específica, uma súmula do Tribunal Superior do Trabalho (TST) proibia que empresas contratassem terceirizados para desempenhar tarefas diretamente ligadas aos seus negócios, as chamadas atividades-fim. O texto permitia apenas a terceirização da chamada atividade-meio, normalmente serviço auxiliar, como limpeza e vigilância.

‘TERCEIRIZAÇÃO JÁ É UM FATO’

Para Sylvia Lorena, gerente executiva de Relações do Trabalho da Confederação Nacional da Indústria (CNI), essa diferenciação é difícil, pois não há regras claras que definam o que é atividade-meio e o que é atividade-fim. A organização é a favor da regulamentação.

— A terceirização já é um fato, já ocorre, já existe. Nenhuma empresa consegue fazer tudo sozinha. Hoje, não temos uma regulamentação sobre o tema. Essa ausência faz com que haja insegurança jurídica — destaca Sylvia.

A entidade também argumenta que regulamentar a terceirização melhoraria a competitividade do país. Segundo estudo realizado pela consultoria Deloitte em parceria com a CNI, o Brasil é o único dentro de um grupo de 17 países que diferencia atividade-meio e atividade-fim na legislação sobre o tema. O levantamento inclui países como Colômbia, Peru, China, Alemanha e Bélgica.

João Guilherme Vargas Neto, consultor de entidades trabalhistas, é contra. Ele defende que a mudança fragiliza as relações de trabalho — ou seja, trabalhadores teriam desvantagem:

— Claro que a terceirização é um elemento existente, faz parte da complexidade do capitalismo e, em alguns casos, é tão real que você não tem nem que discutir. A maldade do projeto é que ele desorganiza as relações.

Entre especialistas, há divergências. O economista Hélio Zylberstajn, professor da USP e coordenador do Salariômetro, elogia a mudança.

— Essa dicotomia entre atividade-fim e atividade-meio é uma coisa que não se sustenta. Algumas coisas são muito claras: vigilância é atividademeio. Limpeza é atividademeio. Mas e telemarketing? Os próprios juízes se dividem em relação a uma grande parte de atividades a terceirizar. Dependendo de para qual juiz caia aquela ação, a empresa pode ser punida ou não. É uma tentativa superada — afirma.

‘DÚVIDA SE O EMPREGADO GANHA’

Zylberstajn acrescenta que ampliar a terceirização é uma necessidade, diante da forma como as empresas se organizam hoje.

— A empresa vencedora no século passado era a empresa vertical. A empresa vencedora nesse século é a horizontalizada, é a cadeia produtiva (com atividades distribuídas entre várias áreas ou empresas). Essa coisa da atividade-fim impede a horizontalização no Brasil — observa.

João Saboia, professor do Instituto de Economia da UFRJ e especialista em mercado de trabalho, destaca que a terceirização tem seu papel, mas também há riscos de que as relações entre empregados e empregadores fiquem mais frouxas. Ele não descarta o risco de precarização:

— Acho saudável uma relação entre empregado e empresa que seja mais duradoura. A empresa está ganhando alguma coisa ao contratar uma mão de obra terceirizada. A empresa que fornece também. Tenho dúvidas se o empregado está ganhando.

 

O globo, n. 30544, 23/03/2017. Economia, p. 21