Atrás das grades, os alunos da Lava-Jato

Gustavo Schmitt

24/09/2017

 

 

Políticos presos em Curitiba fazem cursos à distância para reduzir suas penas

O Complexo Médico Penal de Curitiba transformouse numa espécie de escolinha para políticos presos na Lava-Jato que tentam reduzir suas penas. A estratégia para diminuir o tempo na cadeia levou o ex-deputado Eduardo Cunha a um curso de espanhol à distância, enquanto o exdiretor da Petrobras Renato Duque aposta nas lições de inglês. Com o mesmo objetivo, o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto matriculou-se no curso de Higiene de Alimentos.

O empenho tem apresentado resultados. Jorge Zelada, outro ex-diretor da Petrobras, é o campeão de remição de pena e já diminuiu sua condenação em 361 dias. Para isso, segundo informações da 1ª Vara de Execução Penal, participou dos cursos que viu pela frente: gestão de negócios, instalações elétricas e segurança do trabalho. Duque já conseguiu diminuir a pena em 279 dias; e Vaccari, em 287 dias. Cunha ainda vai pedir a redução de pena.

Segundo o diretor do Departamento Penitenciário do Paraná, Luiz Alberto Cartaxo, a maior parte dos cursos é feita por meio de instituições credenciadas no sistema de ensino do governo do Paraná:

— Diversos cursos são online, mas eles também têm aulas presenciais, com professores em sala de aula. Somente aqueles presos que atingem as metas e notas exigidas têm a remição descontada da pena.

Preso há quase um ano, mas em evidência por ser um dos nomes principais da delação premiada do doleiro Lúcio Bolonha Funaro, Cunha participou das aulas online numa sala de informática da cadeia. O ex-deputado também passou a trabalhar na área de manutenção e na entrega de quentinhas no presídio, enquanto se divide entre a leitura dos processos a que responde e de passagens da Bíblia.

O esforço é para reduzir a pena de 15 anos de prisão. Em março, o juiz Sergio Moro condenou Cunha por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão de divisas por receber propina de US$ 1,5 milhão em contas no exterior.

O advogado Rafael Guedes, responsável pela defesa do ex-deputado, informou que vai ajuizar requerimento pedindo remição pelo estudo, mas não soube dizer quantos dias poderão ser abatidos da pena.

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AGROPECUÁRIA E AUTOMAÇÃO

No mês passado, Cunha protocolou na Justiça um novo pedido de remição ao apresentar um diploma de 260 horas de estudo. Ele também fez aulas de agropecuária e automação, todos os cursos feitos pelo Senai.

Duque já foi condenado em seis ações penais na Lava-Jato que somam 72 anos e 11 meses de prisão. Contudo, na ação do tríplex atribuído ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ele recebeu um benefício que unificaria suas penas ao máximo de cinco anos.

O caso, no entanto, ainda será julgado pelo Tribunal Regional da 4ª Região (TRF-4). O benefício foi concedido a Duque em troca de uma espécie de delação informal que o ex-diretor fez em abril, quando revelou a Moro que teve encontro com Lula no aeroporto de Congonhas. Na ocasião, relatou ele, o petista quis saber se havia conta de propina no exterior. O ex-presidente teria dito que eventuais depósitos no exterior não poderiam existir por causa das investigações em curso.

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A CADA LIVRO, QUATRO DIAS A MENOS

Além de Duque, Vaccari é outro que tem frequentado cursos. Preso há três anos, o petista fez aulas de 60 horas cada de higiene de alimentos, gestão de negócios, eletroeletrônica, automação e logística.

Ele também tem se dedicado à leitura. Ao todo, leu pelo menos 19 livros no cárcere, com direito a quatro dias de redução na pena para cada obra. Na lista de publicações estão clássicos da biblioteca do presídio como “O caçador de pipas”, de Khaled Hosseini e “O prisioneiro”, de Érico Veríssimo.

Vaccari foi condenado por Moro na primeira instância a 45 anos e seis meses de prisão em quatro ações penais. Apesar disso, pessoas próximas dizem que ele ficou com muita esperança após a segunda instância o absolver de uma das sentenças de Sergio Moro. A pena era de 15 anos e quatro meses de prisão no processo relacionado a pagamentos feitos por meio de empresas de fachada de Adir Assad.

O Tribunal Regional Federal da 4ª região entendeu que o petista foi condenado apenas com base na palavra de delatores e que não existia prova de que ele negociou ou falou sobre propina diretamente.

Um dos delatores, o ex-gerente da Petrobras Pedro Barusco afirmou que Vaccari era conhecido pelo codinome “mochila” e que serviria para transportar dinheiro de propina. Vaccari nega.

Agora, numa segunda apelação ainda em julgamento no TRF-4, o advogado de Vaccari, Luiz Flávio D’Urso, apresentou o mesmo argumento de falta de provas.

O trabalho na limpeza do cárcere e na manutenção também rendeu 155 dias de remição ao operador do PMDB João Augusto Henriques.

Os ex-deputados André Vargas e Luiz Argolo também apostaram nos estudos. O primeiro foi aprovado no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e conseguiu reduzir sua pena. Já Luiz Argolo fez cursos de mestre de obras e agropecuária.

O globo, n. 30729, 24/09/2017. País, p. 4