Testes em macacos no centro de uma polêmica

Ana Lucia Azevedo 

22/03/2017

 

 

Exame negativo para doença em primatas não vale como contraprova

O resultado negativo para febre amarela nos testes feitos pela Fiocruz em cinco macacos encontrados mortos no Rio não pode ser considerado uma contraprova para as análises do Instituto Evandro Chagas, no Pará, que havia constatado a presença do vírus da doença nos animais. Para especialistas, isso só seria possível se as duas instituições tivessem examinado as mesmas amostras e utilizado um método idêntico, o que não teria ocorrido. Entenda os procedimentos e tire as dúvidas sobre o que está em discussão:

QUAIS MACACOS FORAM ANALISADOS?

Teriam sido quatro saguis e um macaco-prego, cujas carcaças foram coletadas nos bairros de Copacabana, Jardim Botânico, Gávea, Engenheiro Leal e Manguinhos, segundo a Secretaria de Saúde do Estado do Rio.

QUANDO OS PRIMATAS MORRERAM?

Três deles foram achados mortos em outubro do ano passado. Sobre os outros dois não há informações. Apenas foi divulgado pela Fiocruz um pedido de exame para esses dois animais, feito pela pela Secretaria estadual de Saúde.

QUE EXAMES FORAM REALIZADOS?

Foram feitos PCR e imunohistoquímica. O PCR é um exame molecular muito usado para a investigação de vírus. Seu nome é a sigla em inglês para Reação em Cadeia de Polimerase. Em linhas gerais, ele amplifica o material genético que se quer investigar para possibilitar sua identificação. Porém, esse exame só pode ser considerado fidedigno se o material genético não estiver muito degradado. Isso é, não funciona em corpos em avançado estado de decomposição.

E QUAL FOI O RESULTADO DO PCR FEITO NA FIOCRUZ NO FIM DE 2016?

A Fiocruz informou ter recebido três lotes de animais no último trimestre de 2016. Um deles, de outubro, tinha seis macacos em avançado estado de decomposição. Estavam tão degradados que o exame molecular, de PCR, não pôde ser realizado. Esse material, então, foi encaminhado pela Secretaria estadual de Saúde para o Instituto Evandro Chagas (IEC) para análise pela técnica de imunohistoquímica. No mesmo mês, a Fiocruz recebeu mais nove animais. O exame de PCR deu negativo para febre amarela. Mas, dos nove macacos, sete foram positivos para herpes vírus 1 humano. Esse resultado foi informado ao governo do Estado do Rio. Segundo a Fiocruz, “ainda em outubro de 2016, outro lote de amostras de primatas foi recebido. Neste caso, as amostras foram encaminhadas pela Secretaria estadual de Saúde para o Instituto Evandro Chagas (IEC)”. Ou seja, dos três lotes, dois foram para o IEC. Um deles, positivo para herpes, não foi analisado pelo instituto do Pará.

COMO FOI O EXAME DE IMUNOHISTOQUÍMICA FEITO NO INSTITUTO EVANDRO CHAGAS?

Esse exame pode ser realizado em corpos em decomposição porque busca antígenos específicos. São substâncias de vírus e outros agentes causadores de doença que provocam uma reação do sistema de imunológico. Ou seja, mesmo após a morte, essas substâncias podem permanecer em amostras de vísceras, o que permite sua identificação. A presença de antígenos (ou partes de proteínas) do vírus da febre amarela é indicadora da infecção pelo vírus.

E O QUE INFORMOU O IEC?

Em março, o Instituto Evandro Chagas disse que o resultado foi positivo para três macacos do último lote recebido (o total de primatas analisados não foi informado). Segundo a Fiocruz, a Secretaria estadual de Saúde solicitou que fosse realizado exame de PCR para este lote, usando-se amostras dos mesmos primatas. O resultado foi negativo. Então, a secretaria solicitou à Fiocruz que fizesse análises por imunohistoquímica nos mesmos macacos. Além disso, pediu que fosse feito o mesmo exame nos outros dois animais, cuja origem não foi informada. A origem e a data desses últimos não foi esclarecida. As análises, de acordo com a Fiocruz, deram negativo.

OS ESTUDOS FORAM CONCLUÍDOS?

Não, segundo o Ministério da Saúde. Em nota, o órgão informou que “estudos estão em análise e diferem nas amostras e métodos utilizados”.

E O QUE ISSO SIGNIFICA?

Que o exame de imunohistoquímica da Fiocruz não pode ser usado como contraprova daquele realizado pelo Instituto Evandro Chagas.

POR QUÊ?

Porque as condições das amostras e da metodologia influenciam o resultado. Amostras em mau estado podem levar a um falso diagnóstico. Por outro lado, reagentes — substâncias químicas usadas para procurar antígenos — específicos oferecem um resultado mais preciso. O pesquisador do Instituto Adolfo Lutz Renato Pereira de Souza explica que resultados díspares são possíveis, embora não sejam frequentes. De acordo com ele, sem saber como os testes foram realizados e sem ver os laudos, é impossível dizer qual dos exames está correto. Para uma comparação, é preciso que sejam realizados exames com as mesmas amostras e a mesma metodologia. Se não, um não é contraprova do outro.

POR QUE A FIOCRUZ NÃO TESTOU AS MESMAS AMOSTRAS DO IEC?

Não foi esclarecido.

 

O globo, n. 30543, 22/03/2017. Rio, p. 11