Título: Brasília não deve temer a Unesco
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Fonte: Correio Braziliense, 05/01/2012, Opinião, p. 14

Um misto de apreensão e alívio deve nortear o sentimento do brasiliense diante da iminente vistoria a ser realizada na cidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Não se pode descartar a hipótese de a capital dos brasileiros ser incluída na Lista de Patrimônios em Risco. Urge dar um basta às ameaças ao projeto urbanístico que entrou para a história como o primeiro da era moderna a ostentar o título de Patrimônio da Humanidade. Nesse sentido, a visita técnica, qualquer que seja o desfecho, é, mais do que bem-vinda, um alento.

Cabe aos governantes atuais acolher e concretizar com rapidez as sugestões dos especialistas. Antes, até, prepararem-se para receber a equipe com projetos prontos para a solução dos problemas que motivaram a necessidade do monitoramento. Observe-se que Brasília passou por experiência semelhante em 2001, quando a situação era menos crítica, e ignorou as recomendações. Como disse ao Correio a coordenadora de Cultura da Unesco no Brasil, Jurema Machado, o reconhecimento internacional não é "uma honraria sem nenhuma consequência". Em outras palavras: o título precisa ser permanentemente defendido pelo Estado e pela sociedade.

Ou o governo local assume a responsabilidade, ou entrará para a história pelo caminho inverso ao de Juscelino Kubitschek, primeiro presidente da República a cumprir o que a Constituição determinava desde 1891, tirando do litoral, o Rio de Janeiro, e instalando no interior a capital do país. Mais: JK realizou a epopeia em cinco anos, numa ousadia sem igual, elevando a autoestima dos brasileiros e o nome do Brasil no cenário externo. Construiu no meio do nada a primeira cidade planejada da América Latina, atraindo as atenções do mundo para suas linhas surpreendentemente modernas e monumentais.

Essa história não pode ser manchada por meia dúzia de puxadinhos. Há que ter a coragem de estancar o processo especulativo que corrói o projeto de Lucio Costa e Oscar Niemeyer, sobretudo preservando as escalas urbanísticas criadas com maestria pelos dois gênios. Há que estancar também a sucessão de erros em que o governo não supre as necessidades da população, e o cidadão tenta resolvê-las por conta própria. É dessa equação que surgem as cercas vivas e as grades que fecham as passagens outrora livres sob os pilotis dos prédios residenciais das superquadras. Da mesma forma, o transporte público deficiente contribui para multiplicar o número de carros, entupir vias e vagas e favorecer a transformação de áreas verdes em estacionamentos. Para agravar, a ganância faz surgir construções irregulares na orla do Lago Paronoá, terrenos têm destinação e gabaritos mudados de modo descontrolado, e por aí vai.

Não se pretende congelar, mas preservar Brasília, o que não será possível cuidando apenas do Plano Piloto, área tombada após receber o título de Patrimônio da Humanidade. Nem restringir-se ao Distrito Federal é suficiente. As autoridades devem zelar também pelo Entorno, resolver a situação fundiária, suprir as quase esgotadas capacidades de abastecimento hídrico e energético e repor a cobertura vegetal destruída. Com respostas a essas questões, evitar-se-á a vergonha de a capital federal tornar-se a primeira cidade tombada do país a constar na lista de risco da Unesco. É bom apressar-se, pois a visita deve ocorrer no próximo mês e a decisão ser anunciada em julho.