Senadores adiam votação do projeto de abuso de autoridade

Catarina lencastro

Maria Lima

20/04/2017

 

 

Requião inclui possibilidade de investigado processar autoridades

Apesar de afirmar que adotou o texto do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, no projeto sobre abuso de autoridade, o senador Roberto Requião (PMDB-PR) manteve a maior parte do relatório que apresentou no mês passado. Requião, no entanto, retirou um trecho que era visto como a principal tentativa de criminalizar a livre interpretação da lei por parte de magistrados, quando dizia que eles não poderiam ir contra a “literalidade” da lei. O relator alterou o trecho para permitir que a divergência na interpretação da lei seja possível desde que “razoável e fundamentada”.

O senador acabou criando uma nova polêmica, incluindo em seu substitutivo a possibilidade de qualquer pessoa que se sentir ofendida por uma autoridade pública processá-la privadamente. O texto de Requião foi lido ontem na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), mas, diante de pedido de vista coletivo, só será votado na próxima quarta-feira.

— Isso é gravíssimo. É uma jabuticaba. Qualquer um vai poder interpor uma ação contra os investigadores. Se isso já estivesse em vigor, as algemas nunca teriam chegado aos dirigentes da Odebrecht — criticou o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que subscreveu e apresentou o projeto de Janot.

Relator do projeto que acaba com o foro privilegiado para cerca de 33 mil autoridades dos três poderes, Randolfe reclamou pelo fato de o projeto de abuso de autoridade ser votado antes da inclusão na pauta do que trata do fim do foro.

Na avaliação da presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), Norma Cavalcanti, a proposta consolida a possibilidade de “vingança privada” dos investigados e possíveis criminosos contra aqueles que investigam e julgam os processos.

Com relação ao crime de hermenêutica (livre interpretação da lei), reservadamente, até os críticos ao projeto original se deram por satisfeitos com a nova redação. O projeto do abuso de autoridade lista 29 condutas que devem ser criminalizadas, como decretar prisão preventiva em desconformidade com a lei e submeter investigado ou testemunha a condução coercitiva antes de tê-lo intimado. O autor original do projeto é o ex-presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), alvo de 12 investigações no Supremo Tribunal Federal (STF).

O presidente do Senado, Eunício de Oliveira (PMDB-CE), afirmou que a proposta não está em sua lista de prioridades para votação no plenário da Casa. Eunício disse que se o projeto for aprovado na CCJ, ele o submeterá a apreciação do Colégio de Líderes para que definam a data de inclusão na pauta de votação no plenário. A prioridade para o presidente do Senado é o projeto de socorro dos estados, em votação na Câmara.

Apesar das negativas de Requião, de que o projeto não é represália à Lava-Jato, a operação foi amplamente citada nas discussões sobre o relatório.

— Não há aqui um único artigo que se oponha à Lava-Jato. Estamos na tentativa de por ordem nessa bagunça. Pela madrugada! É de uma má-fé cínica — disse Requião na leitura do projeto na CCJ.

Ao votar a favor do pedido de vista, o senador Jader Barbalho (PMDB-PA), cujo filho Helder Barbalho consta da lista do ministro do STF Edson Fachin (de pedidos de abertura de investigação com base nas delações da Odebrecht), disse que o Congresso não pode ser “frouxo” e nem passar atestado público de estar com medo.

— Era só o que me faltava eu votar aqui como senador acovardado por situações, algumas justas outras injustas, extravagantes, montadas pela mídia. Estamos numa frouxura incabível para quem tem um mandato parlamentar. Aí é melhor nós irmos para casa. Senão, vamos passar um atestado público de que estamos com medo de enfrentar essa questão — discursou Barbalho.

 

 

É ISSO MESMO? - Novo texto com mudanças na lei teria aval de Moro

FALSO

O nome do juiz Sérgio Moro, responsável pela Lava-Jato na primeira instância, chegou a constar na redação final do projeto com mudanças na lei de abuso de autoridade, apresentado pelo relator Roberto Requião (PMDB-PR), mas o magistrado negou ter dado aval ao texto. Em nota divulgada ontem, Moro nega ter sido ouvido por Requião e estar de acordo com o novo texto, apresentado na Comissão de Constituição e Justiça do Senado. De autoria do senador peemedebista Renan Calheiros, o projeto modifica a lei e permite que juízes, promotores e procuradores sejam punidos por abuso de autoridade. Moro, que chegou a discutir no Senado propostas de mudanças ao texto, disse que Requião está equivocado e que não concorda com a redação do substitutivo. Moro frisou que juízes não podem “ser punidos por mera divergência na interpretação da lei, especialmente quando dela discordarem pessoas politicamente poderosas”. “Se o substitutivo apresentado pelo Senador Requião agrega o condicionante ‘necessariamente razoável e fundamentada’ como afirma-se, esclareço que não fui consultado sobre essa redação específica e ela, por ser imprecisa, não atende a minha sugestão. Persiste, com ela, o risco à independência judicial”, diz a nota de Moro. A assessoria do senador Roberto Requião informou que a menção ao nome de Moro na redação final do projeto foi retirada desde ontem.

O globo, n.30572 , 20/04/2017. País , p. 9