NOTA BAIXA EM PREPARO MENTAL

Paula Ferreira 

Renato Grandelle

20/04/2017

 

 

Relatório aponta estudantes brasileiros entre os mais ansiosos do mundo

Relatório sobre o bem-estar dos estudantes em 72 países revela que jovens brasileiros de 15 anos estão entre os mais ansiosos do mundo. Respiração acelerada e nervosismo diante de um simples pedaço de papel. A situação se repete sempre que Mateus Prado, de 15 anos, vai fazer uma prova. Embora tenha boas notas, o jovem relata que, na maioria das vezes, não consegue controlar a insegurança. O comportamento de Mateus é semelhante ao de grande parte dos estudantes brasileiros da mesma idade. De acordo com dados divulgados ontem pelo Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa, na sigla em inglês), 80,8% dos alunos dessa faixa etária responderam em questionário que se sentem ansiosos mesmo quando estão preparados para os exames. Esta é a segunda maior taxa do mundo, atrás apenas da Costa Rica (81,2%), entre 72 nações.

— Fico muito nervoso mesmo quando estudo tudo. Quero mostrar aos meus pais que tenho me aplicado. Além disso, para passar em um vestibular de engenharia preciso ter uma boa nota — conta Mateus, admitindo que seu comportamento é prejudicial.

O Pisa avalia a cada três anos o desempenho de alunos de 15 anos nas disciplinas de matemática, ciências e leitura. O comportamento dos alunos diante dos exames foi descrito no relatório “Bem-estar dos estudantes: Resultados do Pisa 2015”, divulgado ontem.

A taxa dos alunos brasileiros que se sentem acuados pelas avaliações supera países onde a cobrança por bom desempenho escolar é grande, como na Coreia do Sul (55,3%) e em Hong Kong (67,1%), além de estar acima a média das 34 nações que integram a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (55,5%).

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TESTES NÃO SERVEM COMO INCENTIVO

Para Simone André, gerente executiva de educação do Instituto Ayrton Senna, a avaliação feita nas salas de aula brasileiras não estimula o processo de ensino e aprendizagem:

— Os testes são usados no país como um instrumento de punição ou recompensa, e não como incentivo. É natural que o aluno sinta medo.

Segundo a pesquisa, o temor de tirar notas baixas é um dos principais fatores que provocam a elevada ansiedade dos alunos. Escolas com altos padrões de desempenho e com ambiente altamente competitivo também exercem grande influência. Mas o relatório ressalta que as relações sociais são o ponto central da equação: “Os resultados do Pisa mostram que as práticas, comportamentos e a comunicação dos professores na sala de aula estão associados ao nível de ansiedade dos alunos”.

A gerente de Pesquisa e Desenvolvimento da Fundação Itaú Social, Patrícia Guedes acredita que é importante melhorar a formação do professor e suas condições de trabalho:

— Precisamos melhorar a qualidade da relação dos professores com os estudantes e dar oportunidade para colaborações. O estresse está ligado a testes e trabalhos, mas também com o clima escolar.

Psicopedagoga e professora da Universidade Estácio de Sá, Norma Kirsten destaca os danos causados pela falta de diálogo no colégio, que são ainda mais consideráveis entre alunos na idade avaliada pelo Pisa.

— O aluno segue um fluxo imposto pela escola, ele não se sente envolvido com sua formação acadêmica — lamenta. — Aos 15 anos, esta situação é ainda pior, porque este momento da vida é marcado por uma confusão de papéis. Para a família, eles ainda são encarados como crianças, mas sofrem uma cobrança que transcende esta idade e que ignora os conflitos que vivem diariamente, como criar uma imagem. A ameaça velada e a pressão exercida pelos pais e professores levam a um desgaste e nervosismo que podem culminar em depressão.

Entre os alunos brasileiros que participaram do relatório, 17,5% relataram já terem sido alvo de algum tipo de bullying pelo menos algumas vezes por mês. A média desses casos registrada entre os países da OCDE foi de 18,7%. A diferença entre os alunos que sofrem e os que não sofrem com as zombarias se manifesta nas notas. No caso do Brasil, os estudantes de escolas onde há alta prevalência de bullying tendem a registrar 20 pontos a menos na avaliação de ciências do Pisa em comparação com os alunos de unidades onde o nível de agressão é baixo. A diferença não surpreende Tania Rauen Bastos, integrante da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro: — O aluno desvalorizado pode fazer um esforço para se sobressair, mas certamente a maioria fica descrente com a escola e isso afeta o rendimento — analisa. — As escolas devem promover discussões sobre modos de evitar este comportamento.

O globo, n.30572 , 20/04/2017. Soeciedade, p. 30