Estado de São Paulo, n. 45078, 19/03/2017. Economia, p. B4

Lava Jato facilita caminho para entrada em infraestrutura

A favor dos chineses está o fato de poderem contar com uma estatal financeira para bancar parte dos projetos

Por: André Borges

 

O envolvimento das maiores construtoras do Brasil na Operação Lava Jato tem ajudado a pavimentar a entrada do capital asiático nos principais projetos de infraestrutura do País. No entanto, isso não quer dizer que o investidor chinês tenha espírito aventureiro e esteja disposto a entrar em qualquer barca furada que encontre pela frente, de acordo com Cláudio Gonçalves, diretor para a área de infraestrutura da consultoria A.T. Kearney Brasil.

O olhar asiático avalia cada detalhe da operação antes de apresentar uma proposta, afirma o consultor. Mas esse olhar não se limita ao imediatismo da proposta. “Os chineses pensam numa lógica baseada no longo prazo, por isso são focados em setores de base e estratégicos, como infraestrutura logística e energia”, comenta Gonçalves.

A realidade desfavorável para investimentos em países da Europa também favorece o Brasil.

“Ainda há uma série de entraves econômicos em toda a Europa.

Não há muitas oportunidades de grande porte pelo mundo.

Por isso, os chineses passaram a olhar para outros países, como o Brasil, que ainda tem um longo caminho para avançar na área de infraestrutura”.

Gonçalves chama atenção para o fato de que muitas empresas chinesas têm feito investimentos em parceria com companhias brasileiras para fincar a bandeira em determinados setores, como o de energia. Tratase de uma medida de cautela, para conhecer como o setor funciona.

A partir daí, passam a atuar de forma independente.

“Eles passam por uma primeira etapa para aprender. Depois, saem criando suas próprias estruturas.”

 

Financiamento. Na avaliação do consultor, o Brasil deve seguir caminhos já trilhados por outros países, como Portugal, Angola e Moçambique, onde os chineses compraram participações em empresas de energia, bancos, seguradoras e linhas transmissão. A favor dos asiáticos está o financiamento estatal.

Invariavelmente, quando miram negócios em algum país, os chineses trazem consigo uma estatal financeira para bancar parte de seus projetos, o que dá independência em relação a financiamentos locais como os do BNDES, cada vez mais pressionados.

“Essa invasão chinesa tende a se intensificar no Brasil. Para além dos investimentos, cabe ao País analisar os riscos de concentrar todos os ovos na mesma cesta”, comenta Gonçalves.

“É preciso considerar que há uma preocupação estratégica por trás disso. Estamos falando de setores de base de uma nação.”

 

Risco

“Para além dos investimentos, cabe ao País analisar os riscos de concentrar todos os ovos na mesma cesta.”

Cláudio Gonçalves

DIRETOR PARA A ÁREA DE INFRAESTRUTURA DA A.T. KEARNEY

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CCCC quer unir porto e ferrovia no Brasil

Gigante chinês, que comprou 80% da Concremat, quer expandir em logística

Por: Renée Pereira / Mônica Scaramuzzo

 

Pouco conhecida no Brasil, a gigante China Communications Construction Company, chamada de CCCC, tem planos ambiciosos para o mercado brasileiro. Entrou de maneira modesta no fim do ano passado, com a compra de 80% da construtora Concremat Engenharia, por R$ 350 milhões, mas tem um cheque de R$ 40 bilhões para investir nos diversos setores da infraestrutura, como portos, rodovias e ferrovias, apurou o jornal O Estado de S. Paulo com fontes a par do assunto.

Ainda sem escritório próprio no Brasil, executivos chineses da CCCC ocupam provisoriamente desde o ano passado um espaço no banco de investimento Modal, que é o assessor financeiro exclusivo da companhia de infraestrutura no País, afirmam fontes. Ali, num luxuoso prédio localizado na Avenida Juscelino Kubitschek, que virou um dos principais centros comerciais de São Paulo, dezenas de chineses, liderados por Hin Lin, avaliam negócios bilionários para auxiliar a matriz em novas aquisições.

Na semana que antecedeu o feriado de carnaval, o alto escalão da gigante chinesa - uma das maiores companhias de infraestrutura daquele país - esteve no Brasil para conferir os últimos trabalhos. Com uma lista extensa de ativos sendo analisados para aquisição, essas visitas devem se tornar cada vez mais frequentes.

Com um faturamento global de quase US$ 60 bilhões por ano e mais de 100 mil empregados na China, a CCCC tem feito investimentos pesados fora do país - como projetos imobiliários nos Estados Unidos e de infraestrutura em países asiáticos. Agora, mira o Brasil porque vê a oportunidade de avançar em portos e ferrovias. Há uma certa cautela com as investigações de corrupção em contratos públicos, mas esse fator não impede a companhia chinesa de fechar negócios.

 

Porto. Nos últimos meses, executivos chineses começaram a caçar ativos e devem anunciar em breve importantes investimentos. Um deles será o do porto multimodal de São Luís (MA), que está sendo feito em parceira com a construtora WTorre. A CCCC pretende fazer um aporte de cerca de R$ 1,7 bilhão no projeto. Procurada, a WTorre não comentou o assunto.

O projeto do porto de São Luís é o primeiro passo que o grupo quer dar para se unir com ferrovias. A CCCC tem interesse na Ferrovia Norte-Sul, na Transnordestina e na Ferrogrão (que ainda não saiu do papel, mas tem o objetivo de escoar a produção de grãos do Centro-Oeste pelos portos da Região Norte). Nenhum contrato foi fechado ainda, mas já há conversas em andamento.

No caso da Transnordestina, que tem a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) como controladora do projeto, representantes da empresa tiveram conversas em Brasília. A ideia seria ter o governo como sócio, mas ainda há uma pendência entre a União e a CSN que precisa ser resolvida primeiro. A companhia de Benjamin Steinbruch está em busca de um parceiro para o negócio.

A CCCC também não descarta entrar como investidora na Malha Sul, que pertence à Rumo ALL, do Grupo Cosan, afirmaram fontes. A Rumo contratou o Bank of America Merill Lynch para assessorar a operação. “A CCCC tem um cheque de R$ 40 bilhões para investir no Brasil.

Obviamente, nem todo o dinheiro será usado, mas o grupo tem interesse em vários empreendimentos. A Malha Sul é um deles”, disse uma fonte familiarizada com o tema.

No início de abril, a companhia pretende se apresentar oficialmente ao mercado brasileiro. Vai fazer uma festa para comemorar a aquisição da Concremat Engenharia - uma construtora pequena no mercado brasileiro, que faturou R$ 930 milhões em 2015. No ano passado, a chinesa chegou a flertar com o grupo Camargo Corrêa para comprar uma fatia da empreiteira. As conversas, no entanto, não foram adiante.

A relação do grupo com o Brasil ficou mais estreita em 2014, quando o grupo chinês firmou uma joint venture com o Modal e o banco australiano Macquarie para criar a MDC. Essa empresa tem a finalidade de investir em projetos de infraestrutura na América do Sul.

 

Internacionalização. No fim do ano passado, o braço de investimento imobiliário do CCCC firmou uma joint venture com o investidor americano Stephen Ross para construir um complexo imobiliário em Los Angeles. Os investimentos devem somar cerca de US$ 950 milhões. Em novembro, a gigante chinesa assinou acordo para investir em ferrovia na Malásia, estendendo seus domínios no continente asiático.

Procurado pela reportagem, Hin Lin não quis comentar os planos da companhia. O Modal também foi procurado, mas preferiu não se manifestar.

 

Bala na agulha

R$ 40 bi é o orçamento que a CCCC está disposta a investir no País

US$ 60 bi é o faturamento da CCCC

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Adversidades na Amazônia surpreendem grupo chinês

Contratada para construir linhão de Belo Monte, Sepco terá de fazer novos investimentos para entregar obra

 

BRASÍLIA

 

Um dragão chinês atolou em plena floresta amazônica. O trabalho em locais adversos e condições precárias nunca assustou a engenharia civil chinesa, mas a empreiteira Sepco dá sinais de que não fazia ideia do que enfrentaria ao assumir a responsabilidade de construir 780 quilômetros do maior projeto de transmissão de energia do País, o linhão de Belo Monte.

Desde o fim de 2016, a empreiteira está com as operações praticamente paralisadas em parte do trecho das obras no Pará, em razão das chuvas torrenciais que todos os anos atingem a região Norte do País.

Contratada pela também chinesa State Grid, a Sepco tem de entregar um traçado equivalente a 38% da malha que vai ligar a hidrelétrica construída no Rio Xingu até o interior de Minas Gerais, na fronteira com São Paulo, uma rede de 2,1 mil km.

A Sepco admite que, quando assinou o contrato, em dezembro 2014, não esperava lidar com a realidade que encontrou. Em razão das dificuldades de construção no solo encharcado da floresta, o volume de torres do primeiro lote da linha, de 260 km, teve alta de 64% em relação ao que se previa, obrigando a empresa a levar 7.298 toneladas a mais de aço para o meio da mata.

“Consequentemente, o volume de concreto também aumentou. A supressão vegetal (desmatamento) exuberante da floresta amazônica da região praticamente duplicou em termos de escopo de trabalho, com relação ao orçamento original”, declarou a Sepco, em nota.

A logística é outra complicação, por causa das dificuldades de acesso ao local previsto para as torres e cabos de alta tensão. “Não existem rodovias, apenas trilhas para pequenos veículos”, afirmou a empresa. “No período das chuvas, de dezembro a abril, torna-se praticamente impossível manter ritmo mínimo e aceitável na produção. Após o período chuvoso, torna-se necessário recuperar todos os acessos e muitas pontes que foram danificadas”, afirmou o engenheiro e diretor técnico da Sepco no Brasil, Norberto Letti.

 

Hostilidade. A empresa também enfrenta dificuldades com as comunidades locais atingidas pelo empreendimento. “Se não bastassem tantas adversidades, estamos sofrendo constante hostilidade dos habitantes, os quais sequestram equipamentos, bloqueiam estradas, proíbem a entrada e saída de funcionários e desestruturam a logística operacional de construção.”

Sobram acusações também contra prefeituras e governo estadual. “A Sepco foi obrigada a construir estradas de acesso que seriam, normalmente, obrigação do governo, pois são estradas públicas que permitem o acesso às populações locais.”

Alvo de multas e de reclamações pela concessionária Belo Monte Transmissora de Energia (BMTE), dona do linhão, a Sepco prometeu acelerar contratações de pessoal e fazer novos investimentos para não comprometer a entrega da linha, que precisa entrar em operação em fevereiro de 2018. / A.B.