UM CAMPEONATO BRASILEIRO DE PROPINAS

Eduardo Bresciani

14/04/2017

 

 

Planilha da Odebrecht entregue à Lava-Jato revela código em que partidos eram times de futebol
 

Em depoimento, ex-excutivo diz que Odebrecht preferia pagar no caixa dois porque ‘doação lícita chamava atenção’

No jogo da Odebrecht, “Fla-Flu” é PT x DEM e “Corinthians x São Paulo” é PSDB contra PR. A escolha de times de futebol para substituir o nome de partidos foram adotadas em algumas das planilhas do Departamento de Operações Estruturadas, o conhecido “departamento da propina”. Algumas dos documentos entregues aos investigadores usaram os termos e, para designar qual cargo o político beneficiado ocupava, usava-se as posições de jogadores, com pagamentos indo desde o “goleiro” (sem cargo) ao “centroavante” (presidente).

Uma tabela entrega por Luiz Eduardo Soares, um ex-diretor da empresa que atuava no setor, faz a relação dos times com os partidos. Ele entregou ainda outras planilhas em que os códigos eram usados, mas nem todos os partidos que constam na tabela dos apelidos aparecem entre os que receberam recursos com esses codinomes.

Não ficou claro nas delações quais os critérios para identificar cada partido com seu time correspondente. A lista conta no total com 18 partidos. Além dos citados, constam na lista PMDB (Internacional), PSB (Sport), PP (Cruzeiro), PTB (Vasco), PPS (Palmeiras), PSOL (Atlético Mineiro), PCdoB (Bahia), PSC (Náutico), PSD (Botafogo), PRB (Santos), PDT (Grêmio), PROS (Santa Cruz), PV (Coritiba) e Rede (Remo). Político que não tinha partido era identificado como do time potiguar ABC. Nessa tabela, explica-se ainda que presidente era centroavante, governador era descrito como meia, senador chamado de ponta, deputado federal era apelidado de volante e deputado estadual era zagueiro. Quem não tinha cargo e pertencia a base de partidos, recebia o apelido de goleiro.

Por isso que nessa lista o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que tinha em outros documentos o apelido de “Botafogo”, time para o qual torce, foi chamado de “volante” do “Fluminense”. As planilhas apresentadas trazem dezenas de políticos e nem todos viraram alvo de inquérito porque os documentos, segundo o depoimento de Soares, misturam caixa um e caixa dois.

O ex-executivo relatou em um de seus depoimentos que a empresa preferia o caixa dois para ocultar apoios.

— Não gostávamos de fazer muitos pagamentos lícitos porque chamava muito a atenção. Se fosse pagar tudo de forma lícita, daria US$ 100 milhões da Odebrecht. Em 2010 acho que foi R$ 60 milhões em (doação) lícita. É pouco. Se pega em relação a Camargo Corrêa, Andrade é pouco — afirmou Soares.

_________________________________________________________________________________________________________________

LAVA-JATO E FUTEBOL: FRAUDES NAS ARENAS

O uso do código em que classifica partidos e políticos como times e posições de jogadores está longe de ser a única ligação do futebol com as delações da Odebrecht e de executivos de outras grandes empreiteiras na Lava-Jato. A construção ou reforma de 12 estádios para a Copa do Mundo de 2014, com a justificativa e atender a rigorosas e sofisticadas exigências da Fifa, foi um terreno fértil para negócios escusos entre as empresas e políticos. Em pelo menos oito estádios houve crimes que variam da formação de cartel, fraudando licitações, a propina para governantes, segundo delações não só da Odebrecht, mas também de executivos de empreiteiras como a Andrade Gutierrez.

O caso mais clássico é do Maracanã, em cuja reforma foram gastos mais de R$ 1,2 bilhão. Segundo ex-executivos da Andrade Gutierrez, o ex-governador do Rio Sérgio Cabral cobrou propina de 5% do valor da obra, o que chegaria a R$ 60 milhões. A Arena Corinthians, construída em São Paulo especialmente para a Copa, foi chamada de “presente para o presidente Lula” por Emilio Odebrecht. Há suspeita de desvio de dinheiro para deputados como Vicente Cândido e Andrés Sanchez, ambos do PT.

As licitações para as obras das quatro arenas do Nordeste (Castelão, em Fortaleza; Dunas, em Natal; Fonte Nova, em Salvador; e Pernambuco, em Recife) teriam tido seus vencedores combinados em cartel que uniu as principais empreiteiras do país. Já a Arena da Amazônia e o Mané Garrincha, em Brasília, teriam rendido propina a ex-governadores de Amazonas e do Distrito Federal.

O globo, n.30566 , 14/04/2017. País, p. 12