Senado articula terceirização 'branda'

Isabela Bonfim / Julia Lindner / Anne Warth

24/03/2017

 

 

Para costurar lei final, Planalto quer dispor de projeto que libera terceirização totalmente, aprovado na quarta, e um texto mais moderado

 

 

Após a aprovação pela Câmara de projeto que regulamenta, irrestritamente, a terceirização, senadores articulam a votação de um projeto mais brando sobre o tema. A negociação estaria respaldada pelo Planalto, que tem interesse em dispor dos dois projetos para, no momento da sanção, poder escolher e costurar uma lei final.

O governo fez um acordo com as principais lideranças da Câmara e do Senado. A ideia, segundo revelou um integrante do núcleo político do presidente Michel Temer, é que, com os dois textos na mão, o governo avalie a questão de forma conjunta, decidindo o que deve ser vetado e sancionado em cada um deles.

Ontem, o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), afirmou que irá colocar de imediato na pauta do plenário o projeto de lei de 2015 que também trata da terceirização. “É preciso que a gente atualize esse projeto aprovado na Câmara”, disse em referência à proposta votada pelos deputados na quarta-feira e que agora seguirá para sanção presidencial.

O texto novo a ser trabalhado pelos senadores já foi aprovado pela Câmara em 2015 e está no Senado sob a relatoria de Paulo Paim (PT-RS). O senador apresentou relatório que garante direitos maiores aos trabalhadores em comparação com a proposta aprovada pela Câmara. O relatório prevê, por exemplo, que não pode ser feita qualquer terceirização na área fim da empresa e garante ao trabalhador os mesmos direitos dos funcionários da empresa matriz.

 

Meio-termo. Segundo Paim, senador da oposição, Eunício e o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), apoiam a aprovação da nova proposta.

Entretanto, o objetivo do governo não é apoiar o relatório de Paim. Como o senador fez modificações no projeto, a proposta teria de retornar à Câmara, o que foi considerado “desgastante” pelo Palácio do Planalto.

A articulação do governo é para aprovar o PLC 30/2015 da forma como foi validada pelos deputados.

Dessa forma, o projeto poderia ir direto para sanção do presidente. A leitura é de que o projeto do Senado é um meiotermo entre a proposta de Paim, mais trabalhista, e o projeto aprovado ontem pelos deputados, que libera completamente a terceirização.

Por isso, o ideal é que a proposta seja votada nas próximas duas semanas, antes do prazo de 15 dias para a sanção do projeto que foi aprovado pela Câmara na quarta-feira. Dessa forma, o presidente poderia costurar a lei ao vetar dispositivos dos dois projetos, construindo uma terceira opção.

 

O que muda. Apesar de também permitir a terceirização em todas as áreas da empresa, como o texto aprovado pela Câmara, o projeto do Senado traz algumas garantias a mais para o trabalhador. O texto prevê, por exemplo, que, caso a empresa contratante não fiscalize os pagamentos feitos pela terceirizada, ela terá de responder judicialmente e pagar direitos trabalhistas e previdenciários.

O projeto também determina que, em caso de troca de empresa prestadora dos serviços terceirizados com admissão de empregados da antiga contratada, os salários do contrato anterior deverão ser garantidos. Na legislação atual, essa questão não é regulamentada.

A proposta do Senado também prevê que o trabalhador terceirizado terá acesso a restaurantes, transporte e atendimento ambulatorial oferecidos pela contratante aos seus próprios empregados quando e enquanto os serviços forem executados nas dependências do contratante.

Essas prerrogativas não existem atualmente na lei.

 

Retaliações. Ontem, parlamentares insatisfeitos com o projeto de terceirização aprovado pela Câmara tomaram medidas para impedir a sanção do texto. O deputado André Figueiredo (PDT-CE) entrou com um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a anulação da votação.

 

Novo texto. Eunício Oliveira (PMDB-CE) defende atualizar projeto aprovado na Câmara

 

DIFERENÇAS ENTRE OS PROJETOS

Justiça trabalhista

- O projeto aprovado na Câmara prevê que a empresa contratante tenha responsabilidade “subsidiária” sobre questões trabalhistas – ou seja, somente poderá ser acionada na Justiça por falta de pagamento, por exemplo, depois de esgotadas as tentativas de cobrança da empresa terceirizada.

- O projeto em tramitação no Senado estabelece a responsabilidade “solidária” – se a empresa contratante não fiscalizar os pagamentos, pode ser acionada na Justiça juntamente com a contratada.

 

Vínculo empregatício

- Pelo projeto que está no Senado, apesar de não haver vínculo empregatício entre a empresa contratante e os terceirizados, 4% do valor do contrato deve ser retido como garantia do cumprimento das exigências trabalhistas e com a Previdência.

- O projeto aprovado na Câmara não traz essa garantia.

 

Troca de empresa

- O projeto que está no Senado determina que, em caso de troca de empresa prestadora dos serviços terceirizados, com admissão de empregados da antiga contratada, os salários do contrato anterior deverão ser garantidos.

- O projeto aprovado na Câmara não regulamenta essa questão.

 

Restaurante e transporte

- O projeto a ser votado no Senado prevê que o trabalhador terceirizado terá acesso a restaurantes, transporte e atendimento ambulatorial oferecidos pela contratante aos seus próprios empregados quando e enquanto os serviços forem executados nas dependências do contratante.

- O projeto aprovado na Câmara não regulamenta isso.

 

Filiação sindica

- Pelo projeto que está no Senado, os empregados da empresa terceirizada serão representados pelo mesmo sindicato quando o contrato envolver empresas da mesma categoria, garantindo os respectivos acordos e convenções coletivas de trabalho.

- O projeto aprovado na Câmara prevê filiação sindical livre.

 

Especialização

- O projeto em tramitação no Senado exige que as empresas terceirizadas tenham especialização na área em que vão oferecer o serviço.

- O projeto aprovado na Câmara não traz essa exigência

 

 

O Estado de São Paulo, n. 45083, 24/03/2017. Economia, p. B6.