CABRAL E PEZÃO SÃO ACUSADOS DE RECEBER R$ 120 MILHÕES

Marco Grillo

14/04/2017

 

 

Valor é a soma do que foi gasto em doações, caixa dois e propinas; governador nega irregularidades
 

Ex-presidente da construtora Odebrecht, Benedicto Júnior afirmou, em delação premiada, que a empresa gastou em torno de R$ 120 milhões com o ex-governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB) e o governador Luiz Fernando Pezão (PMDB), entre caixa dois para campanhas de ambos e propinas pagas a Cabral. Em troca do suporte financeiro, segundo o depoimento, a companhia conquistou os contratos do PAC das Favelas no Complexo do Alemão, Zona Norte do Rio, o Arco Metropolitano, a Linha 4 do metrô, a reforma do Maracanã e outras obras classificadas como “projetos menores”.

Os empreendimentos relacionados ao PAC das Favelas, Arco Metropolitano, Maracanã e Linha 4 do metrô já foram identificados pela força-tarefa da Operação Lava-Jato no Rio como fontes de propina para alimentar o suposto esquema de corrupção comandado por Cabral no estado. As revelações foram feitas por executivos das construtoras Andrade Gutierrez e Carioca Engenharia, que firmaram seus acordos de colaboração antes dos funcionários da Odebrecht.

A contabilidade apresentada pelo executivo aos procuradores traz repasses de R$ 94 milhões a Cabral, incluindo uma mesada de R$ 1 milhão por mês paga em 2007, totalizando R$ 12 milhões só naquele ano. O acerto para o pagamento ocorreu em uma reunião no Palácio Guanabara, logo no início do governo do peemedebista, disse o delator. Benedicto Júnior afirmou ainda que a empresa pagou R$ 20,3 milhões na campanha de Pezão em 2014, via caixa dois — a prestação de contas apresentada pelo governador ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não traz doações da Odebrecht. A empresa teria pago ainda € 1 milhão ao marqueteiro de Pezão em 2014, Renato Pereira, a pedido de Cabral.

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CAIXA DOIS EM 2006

No depoimento, o ex-presidente da construtora identificou repasses para a campanha de Pezão relacionados ao contrato da Linha 4. Segundo o delator, os pagamentos aconteceram a pedido de Cabral.

“O Pezão não sentou com a Odebrecht para pedir dinheiro”, disse Benedicto Júnior.

Todos os pagamentos aconteceram por meio do sistema Drousys, que era usado no Setor de Operações Estruturadas, departamento usado pela empreiteira para pagar propina.

O ex-presidente da construtora contou que conheceu Cabral em 2006, quando o peemedebista postulava a candidatura ao governo. Já naquele ano, R$ 3 milhões foram pagos via caixa dois, em uma operação comandada pelo ex-secretário de Governo Wilson Carlos. No início da gestão do PMDB, houve a cobrança para que a Odebrecht pagasse R$ 1 milhão por mês para cobrir uma dívida de campanha. Em troca, foi oferecida a participação nas obras do PAC das Favelas. Os repasses a Cabral aconteciam sempre em dinheiro vivo, por meio do doleiro Álvaro Novis. No sistema usado para o pagamento de propina, o ex-governador era identificado como “Proximus”. Segundo o depoimento, os repasses para a campanha de Pezão foram identificados pelo mesmo codinome.

“Começou a fluir nessa linha, migrar para uma conversa de negócios. Ao longo do tempo, houve uma evolução do meu relacionamento com ele (Cabral)”, disse o delator.

A relação de Benedicto Júnior com Cabral se intensificou a ponto de ele comprar uma casa no condomínio de luxo Portobello, em Mangaratiba, o mesmo em que o ex-governador costumava passar os finais de semana. Aos procuradores, o ex-executivo disse que chegou a andar na lancha usada por Cabral. A investigação em curso no Rio descobriu que a embarcação estava registrada em nome de um laranja, Paulo Fernando Magalhães Pinto, que negociou acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal.

A articulação para o pagamento da mesada a Cabral foi feita pelo ex-executivo João Borba Filho, subordinado a Benedicto Júnior, com Wilson Carlos. Também em delação premiada, Borba contou que se reuniu com o então secretário de Governo no Palácio Guanabara, em Laranjeiras. Ficou combinado que o funcionário da Odebrecht trataria mensalmente com Carlos Miranda, apontado pelo MPF como operador financeiro de Cabral. Borba era avisado pelo setor de propina sobre a senha que seria usada e o local em que o recurso ilícito seria entregue. Ele, então, falava por telefone com Miranda, que ia até a sede da Odebrecht, em Botafogo, buscar os códigos. Borba entregou à PGR registros de entrada e saída do operador no edifício da companhia.

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NEGOCIAÇÃO NO MARACANÃ

Posteriormente, a relação de Borba com Cabral se aprofundou, pois o executivo foi realocado dentro da Odebrecht e assumiu a presidência da Concessionária Maracanã S.A. Nas delações, funcionários da empresa relatam que a vitória na licitação do Maracanã foi uma das contrapartidas ao suporte financeiro dado a Cabral.

Atualmente, a Odebrecht tenta repassar o controle do estádio. A construtora é dona de 95% da empresa criada para tocar a concessão até 2048 e está em fase final de negociação para vendê-la ao grupo francês Lagardère. O negócio, contudo, precisa do aval do governo estadual, que sofre pressão do Flamengo para anular a licitação original do Maracanã e abrir nova concorrência para escolher o próximo concessionário.

Investigações sobre as obras e possível formação de cartel na licitação também podem desaguar em processos que peçam a anulação da licitação de 2013. Segundo delatores da Andrade Gutierrez, Sérgio Cabral cobrou propina na obra de reconstrução do estádio, que custou mais de R$ 1,2 bilhão. De acordo com fontes, outro grupo que estava interessado na concessão, o GL Events, desistiu em função da insegurança jurídica.

Desde que Cabral mudou o contrato de concessão original, proibindo a derrubada dos estádio de atletismo, Célio de Barros e do Parque Aquático Julio Delamare, a Odebrecht perdeu o interesse de continuar à frente do estádio, que deu prejuízo pelo alto valor de custeio.

Em nota, Pezão afirmou que nunca recebeu recursos ilícitos e jamais teve conta no exterior. Ele disse ainda que todas as doações foram feitas de acordo com a Justiça Eleitoral. O advogado de Cabral não retornou, e Renato Pereira não foi encontrado.(Colaborou Miguel Caballero)

O globo, n.30566 , 14/04/2017. País, p. 6