Valor econômico, v. 17, n. 4225, 30/03/2017. Política, p. A10

Senado manobra para votar abuso

 

Fabio Murakawa
Vandson Lima
 
 
Uma articulação entre senadores governistas e da oposição na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) possibilitou ontem acelerar a tramitação do projeto de lei de abuso de autoridade, visto por críticos como uma retaliação ao Ministério Público Federal (MPF), magistrados e outras autoridades a cargo da Operação Lava-Jato.

Reunidos ontem na CCJ, os parlamentares forçaram um calendário acelerado para que o parecer do senador Roberto Requião (PMDB-PR) fosse lido antes mesmo do agendamento de audiências públicas sobre o tema. Houve protestos de alguns poucos senadores, como Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Ronaldo Caiado (DEM-GO), que gostariam que a Casa levasse em conta também a proposta apresentada na véspera ao Congresso pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot.

O senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), que presidia a sessão, concedeu vistas coletivas para que os senadores analisem o relatório. Com isso, abriu-se a possibilidade regimental de que o parecer de Requião ao projeto de autoria de Renan Calheiros (PMDB-AL) seja votado já na próxima quarta-feira, 5 de abril. Senadores de PT, PCdoB, PSDB e PMDB se manifestaram favoráveis à leitura do relatório.

Um dos argumentos é o de que, na visão dos senadores, o projeto deve tramitar em conjunto com a PEC que extingue o foro privilegiado para autoridades. "A leitura desse relatório é importante para que nós possamos dar prosseguimento à votação do fim do foro privilegiado. Porque é importante nós termos a votação do fim do foro privilegiado e, ao mesmo tempo, termos já o encaminhamento da votação do abuso de autoridade", disse o senador Eduardo Braga (PMDB-AM).

Requião decidiu ignorar as sugestões encaminhadas ontem ao Congresso por Janot, a quem acusou de querer a "indulgência plenária" para os abusos cometidos por seus pares. "Quem pode dar a indulgência plenária é o papa. Eu não sou o papa", disse.

O senador chamou o procurador de "Janot de Tomaso di Lampedusa", em referência ao escritor italiano (1896-1957) que tornou célebre a frase "algo deve mudar para que tudo continue como está".

"Embora não tivesse participado da discussão quando da elaboração do meu relatório, o procurador Janot assume agora uma postura de Janot Tomaso di Lampedusa e sugere um projeto que admite os excessos dos agentes públicos, de todos eles. E admitindo os excessos tenta um artifício legal para descriminalizá-los."

A CCJ, que tem cinco titulares e cinco suplentes investigados na Lava-Jato, marcou audiências sobre o tema para segunda-feira, dia 3, e terça, dai 4. Há acordo para que a votação ocorra no dia 19 de abril, mas o projeto entra automaticamente na pauta da CCJ no dia 5 para votação - algo que Randolfe diz desconfiar que ocorrerá.

Anastasia disse que caberá ao senador Edison Lobão (PMDB-MA), presidente da comissão e ausente ontem por motivo de saúde, para marcar a data da votação.

Randolfe disse que pretende transformar em projeto de lei do Senado a proposta de Janot, a exemplo do que fez o deputado Miro Teixeira (Rede-RJ) na Câmara.

"Vamos fazer tudo para adiar a discussão. Essa discussão não tem pressa. Só que está pressionando essa discussão são as investigações [da Operação Lava-Jato]", afirmou.