Delator cita pressão de Lula no BNDES 

Gabriela Valente

15/04/2017

 

 

Objetivo, segundo Emílio Odebrecht, seria influenciar liberação da verba para o Porto de Mariel, em Cuba

O empreiteiro Emílio Odebrecht afirmou, em delação premiada, não ter dúvidas de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pressionou o BNDES a aprovar o financiamento do Porto de Mariel, em Cuba. Em depoimento ao Ministério Público Federal (MPF), ele contou como a empresa foi envolvida no negócio e também a forma como ele mesmo inseriu o governo brasileiro no projeto.

Segundo o empresário, o ex-presidente da Venezuela Hugo Chávez pediu à empresa que fizesse a obra. Odebrecht explicou que, além de o venezuelano ser próximo ao cubano Fidel Castro, Chávez tinha interesses políticos.

— Para ele (Chávez), interessava a medida, porque ele tinha esse antagonismo com os Estados Unidos. Foi muito mais uma estratégia de fortalecimento dele, de contraponto, do que propriamente ideológico — analisou Emílio.

Aos procuradores, o empreiteiro afirmou que disse a Chávez que encontraria uma forma de atender ao pedido. No entanto frisou que precisaria que o governo brasileiro estivesse engajado no empreendimento e que também solicitasse à Odebrecht que realizasse a obra.

— Eu não gostaria de tomar a iniciativa, e o senhor (Chávez), que tem uma boa relação com o presidente Lula, podia ligar para ele e transmitir isso. De fato, ele (Chávez) fez. E eu estive com o Lula. Fui convocado pelo Lula dizendo que tinha recebido um telefonema do Chávez, transmitindo um encontro que tinha tido comigo e que ele estava dentro da linha de apoiar o programa de Cuba do Porto de Mariel — contou o empresário em depoimento.

O empreiteiro afirmou ainda que, apesar de a obra ter sido feita em Cuba, as garantias foram dadas pela Venezuela, que ofereceu petróleo como contrapartida.

“NÃO TENHO DÚVIDA"

Os procuradores questionaram se o ex-presidente Lula teve ingerência no BNDES para a liberação do empréstimo.

— Eu não tenho dúvida nenhuma. Eu diria que o BNDES jamais, nem nós próprios, levaríamos um assunto de financiamento do BNDES para Cuba. Não estava nos nossos planos e nem nas diretrizes do BNDES — respondeu Odebrecht.

Os investigadores perguntaram se, numa situação normal, o BNDES não faria a operação. O empreiteiro foi direto:

— Numa condição normal, nem a Odebrecht, nem o BNDES. Eu não tenho dúvida quanto a isso. Houve um interesse de governo. Não foi só o pedido do Chávez — disse, numa referência à proximidade de Lula e Fidel.

Ele ressaltou que a pressão política não significa frouxidão nos processos de financiamento.

— Tenho certeza que houve (pressão), porque as prioridades de governo traduziam-se em pressão junto às instituições do próprio governo. O BNDES era uma. Agora, o BNDES abrir mão daquelas regras dele, acho muito difícil — disse Emílio Odebrecht.

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Delações revelam obras que nasceram para a corrupção

Glauce Cavalcanti 

15/04/2017

 

 

Perda direta do investimento público em infraestrutura é de R$ 10 bilhões por ano, segundo consultoria

O Porto de Mariel, em Cuba, a Arena Corinthians, em São Paulo, o Estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro, a Usina Hidrelétrica de Jirau, em Rondônia, a criação da Sete Brasil. Cresce a lista de projetos que teriam nascido para alimentar o esquema de pagamentos ilegais acertado entre políticos e executivos da Odebrecht, segundo depoimentos de sócios e ex-executivos da companhia ao Ministério Público Federal (MPF). São custos vultosos — Jirau, que não foi construída pela Odebrecht, custou R$ 19 bilhões — que poderiam ter sido reduzidos ou nem realizados não fossem as negociações focadas no repasse de propinas.

O economista Claudio Frischtak, da Inter.B Consultoria, destaca que a perda anual em decorrência dessas transações ilícitas é bilionária.

— O TCU (Tribunal de Contas da União) tem um estudo que mostra que o sobrepreço médio cobrado nas obras de infraestrutura no Brasil é de 17%. Essa fatia representa apenas as perdas diretas. É um enorme volume de investimentos que, até hoje, não se transformou em ativos produtivos. São ganhos adiados — afirma ele.

Estudo da Inter.B mostra que, em 2015, o Brasil investiu R$ 134 bilhões em infraestrutura, já em valores atualizados pelo IPCA, índice que mede a inflação. Um sobrepreço de 17% nesse valor, representaria, hoje, o equivalente a uma perda de R$ 22,78 bilhões. Só do aporte do setor público, que foi de R$ 58,8 bilhões naquele ano, a mordida beira R$ 10 bilhões.

— Imagina o que o Brasil poderia fazer com esses R$ 10 bilhões em dez anos? Esse sobrepreço tem duas explicações principais: a cartelização dessa indústria e a concorrência direcionada, com base em pagamentos de propina, editais manipulados e outras práticas. Infelizmente, a política no Brasil se move com a captura de nacos (dos recursos) do Estado — destaca o economista, lembrando que o sobrepreço se desdobra em novos gastos, como desperdícios ao longo da obra, atrasos na entrega de empreendimentos e projetos.

DÍVIDA SUPERA INVESTIMENTO

O gigantismo das cifras impressiona. A Sete Brasil foi criada em 2010 com a promessa de bater US$ 27 bilhões em investimentos, permitindo a construção de 28 sondas para exploração de petróleo nas camadas do pré-sal. Ano passado, a empresa entrou em recuperação judicial. Ao todo, o investimento chegou a R$ 8,3 bilhões no período, mas as dívidas com bancos e outros fornecedores alcançaram mais que o dobro do valor investido: R$ 19,3 bilhões.

Adeodato Netto, estrategista-chefe da Eleven Financial, pondera que, ainda que as informações trazidas à tona pelas delações da Odebrecht impressionem, são de apenas uma empresa.

— Não dá para ter ideia da extensão do dano. A naturalidade com que os delatores descrevem as negociações é assustadora.

As irregularidades, acrescenta Netto, manipulam os preços cobrados por toda a cadeia.

— Se todas as obras de infraestrutura em 15 anos tivessem tido preço real, talvez o Brasil tivesse hoje um déficit primário bem menor. Em 2016, ficou negativo em R$ 154,2 bilhões — diz ele.

Dívidas com o governo do Rio e falta de manutenção

A Odebrecht teria pago R$ 1 milhão em propina ao então presidente do Tribunal de Contas do Estado do Rio (TCE-RJ), Jonas Lopes, para ter a liberação do edital de concessão do estádio, cuja reforma para a Copa de 2014 foi feita pela companhia. A empresa venceu a licitação em 2013, em consórcio com a AEG e a IMX, que pertencia a Eike Batista na época e, em 2015, teve sua fatia na operação comprada pela Odebrecht. A empreiteira se recusou a reassumir o Maracanã após a Olimpíada do Rio. Alegou que o estádio não foi devolvido nas mesmas condições em que fora entregue ao Comitê Rio 2016. Em janeiro, foi obrigada pela Justiça a retomar a administração da arena. A Odebrecht negocia a venda do contrato de concessão a um novo investidor, que terá de assumir cerca de R$ 20 milhões em pagamentos em atraso ao governo do Rio, e bancar obras no estádio.

Propina paga a ministro para levar o projeto

Pronta em dezembro de 2016, a hidrelétrica custou R$ 19 bilhões. O consórcio Energia Sustentável, liderado pela Suez, venceu o leilão para erguer a usina em 2008. Henrique Serrano do Prado Valadares, ex-executivo da Odebrecht, declarou que o senador Edison Lobão (PMDB-MA) , ex-ministro de Minas e Energia, recebeu R$ 5,5 milhões para rever o resultado do leilão de Jirau, para que a Odebrecht assumisse o projeto.

O estádio que seria um Volks e virou Lamborghini

Palco da abertura da Copa do Mundo de 2014, o projeto que custaria R$ 300 milhões sairá por mais de R$ 1,6 bilhão, segundo depoimento de Alexandrino Alencar, ex-diretor da Odebrecht. Marcelo Odebrecht disse que a construção do estádio foi um pedido do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à empresa. O Corinthians enfrenta dificuldades para pagar a construtora. Em 2016, atrasou salários e parcelas do financiamento da arena.

Dívida bilionária e 25 mil demissões no setor naval

A Sete Brasil previa alcançar 27 bilhões de dólares em investimentos, fornecendo 28 sondas, como a da foto, para o pré-sal. Com a crise na Petrobras, a partir do início da Lava-Jato, acabou entrando em recuperação judicial em 2016, com R$ 19,3 bilhões em dívidas. Suspendeu pagamentos a estaleiros, que, em 2015, demitiram mais de 25 mil trabalhadores. No mercado, há quem avalie não haver solução para a empresa.

 

O globo, n. 30567, 15/04/2017. País, p. 8