Valor econômico, v. 17, n. 4225, 30/03/2017. Empresas, p. B1

Uma saída para Galeão e Viracopos

 

André Ramalho
Fernanda Pires
Victória Mantoan
Daniel Rittner

 

Ao menos duas concessionárias de aeroportos já decidiram que vão pedir repactuação dos pagamentos de outorgas fixas das concessões: a do Galeão (RJ) e a de Viracopos (SP). O governo flexibilizou a cobrança dos terminais privatizados entre 2012 e 2014 por meio portaria do Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil publicada ontem.

Conforme antecipado pelo Valor, o documento prevê um valor de outorga a ser antecipado, o que poderá resultar tanto em redução de parcelas posteriores como os grupos ficarem um ou mais exercícios sem precisar realizar o pagamento. O governo cedeu à pressão das concessionárias. As empresas alegam que a crise econômica derrubou o fluxo de passageiros e dificulta o pagamento de valores bilionários ofertados nos leilões

Os seis terminais - Galeão, Guarulhos (SP), Brasília (DF), Confins (MG), Viracopos e São Gonçalo do Amarante (RN) - podem usar o mecanismo, mas a principal beneficiada vai ser a RIOgaleão, cuja receita com a exploração não cobre a parcela da outorga fixa anual a ser paga à União.

O consórcio arrematou o aeroporto fluminense em 2013 ao ofertar um superágio de 294% sobre o valor mínimo, o que resulta em uma parcela anual de aproximados R$ 900 milhões ao longo dos 25 anos de concessão.

O presidente da concessionária, cuja parte privada é uma sociedade de Odebrecht Transport e a sul-coreana Changi, Luiz Rocha, disse ontem que a ideia é fazer o pedido de repactuação na próxima semana e pagar algo em torno de R$ 4 bilhões - quitação das outorgas de 2016, 2017 e antecipação das outorgas de 2018 e 2019. O recurso virá de uma combinação de aportes dos sócios e da liberação do empréstimo de longo prazo do BNDES.

A expectativa, afirmou, é que o banco de fomento libere o financiamento de aproximadamente R$ 1,6 bilhão. O BNDES disse que irá analisar novo fluxo de caixa da RioGaleão, com a reprogramação da outorga. O banco, em nota, disse que vai verificar também a oferta de garantias externas, como fiança bancária ou aval corporativo, necessárias para a concessão do empréstimo de longo prazo.

A entrada de um novo sócio, disse Rocha, está "bem avançada" e "talvez seja revelada oficialmente" ainda esta semana. Segundo ele, ainda não há uma definição sobre a nova composição acionária do consórcio, com a iminente venda da fatia da Odebrecht Transport - que detém 60% de participação dentro da fatia de 51% das empresas privadas na concessão. Segundo fonte do governo, há negociações em fase final com a chinesa HNA.

Rocha se mostrou confiante no reequilíbrio da concessão e que o Brasil deve reiniciar um ciclo de crescimento em 20017/2018. "Esta é a razão pela qual estamos atraindo novos sócios", defendeu.

A concessionária do aeroporto de Viracopos, em Campinas (SP), também deve entrar com pedido de repactuação junto ao governo federal, apurou o Valor com fontes próximas ao negócio. O valor da parcela da outorga fixa foi estipulado em R$ 127 milhões e é atualizado a cada ano pelo IPCA. Mas o descolamento da demanda de passageiros em relação aos estudos do governo gerou uma frustração de receita à concessão.

Os sócios privados da concessão são a Triunfo, em dificuldades financeiras, a UTC, envolvida na Lava-Jato, e a francesa Egis.

O contrato prevê vultosos investimentos, entre eles a obrigação de construir 28 pontes de embarque, o que dá uma capacidade anual para 25 milhões passageiros. Os estudos do governo estimavam que a movimentação em 2016 em Viracopos chegaria a 16 milhões de passageiros. Contudo, no exercício passado transitaram pelo complexo 9,3 milhões de passageiros. Consequentemente, a receita ficou muito aquém do esperado.

Por razões como essa a repactuação é encarada como uma forma de mitigar esse descompasso. "Para a saúde financeira do projeto, tudo o que for possível jogar de fluxo de caixa para frente faz sentido. Houve uma sensibilização do governo em relação a essa realidade", diz uma fonte.

Um executivo avalia que a portaria é positiva porque "finalmente uma parte do governo reconhece que existe um problema". Para essa mesma fonte, o ideal é que esse tipo de mecanismo seja adotado pelas demais agências como solução, por exemplo, para concessões rodoviárias problemáticas.

Nem todas as concessionárias devem entrar com o pedido. A portaria é inócua, por exemplo, para o pleito da BH Airport, que administra Confins. A empresa não tem problema com o valor do pagamento da outorga, mas deposita o montante, de cerca de R$ 75 milhões, em juízo. Diz que a União não entregou as obras que eram de sua responsabilidade, razão pela qual teve de arcar com as mesmas.

Procuradas, as concessionárias de Viracopos, Confins e Guarulhos não se manifestaram. A Inframérica, que opera os aeroportos de Natal e de Brasília, disse que ainda está estudando a portaria.

Para dar mais suporte jurídico à reprogramação das outorgas, o Congresso deve promover uma mudança na medida provisória editada em novembro que trata da relicitação e prorrogação de concessões. A tendência do deputado Sérgio Souza (PMDB-PR), relator da MP 752, é incluir um dispositivo que permite ao governo e à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) fazer essa repactuação. O relatório deveria ter sido apresentado ontem, mas foi adiado para hoje. Se a alteração no texto for aprovada e sancionada pela Presidência, isso daria à Anac o conforto jurídico de mexer nas outorgas com base na lei, não apenas em uma portaria ministerial. (Colaborou João José Oliveira)