Meta realista e PIB fraco

Roberta Scrivano

João Sorima Neto

08/04/2017

 

 

Analistas elogiam transparência, mas temem recuo na Previdência
 

 

Apesar de a equipe econômica ter anunciado ontem que o déficit das contas públicas no ano que vem será bem maior que os R$ 79 bilhões previstos inicialmente, chegando a R$ 129 bilhões, os economistas receberam bem a notícia pela sua transparência. Para Sérgio Vale, economistachefe da MB Associados, é melhor ser “realista do que revisar muito em cima da hora”, como virou regra no governo da ex-presidente Dilma Rousseff.

Na avaliação de Antônio Bandeira, economista da MCM Consultores, a nova meta de déficit fiscal é até conservadora, já que, pelos seus cálculos, o rombo em 2018 deverá chegar a R$ 119 bilhões.

Ambos concordam que a projeção do déficit fiscal precisava mesmo ser ajustada para pior, para que outras previsões já revisadas, como a do PIB, que passou de uma estimativa de alta de 1,5% para 0,5% este ano, fizessem sentido.

— A recuperação da economia está mais lenta, e a arrecadação não vai crescer tão fortemente. E a opção de aumentar impostos não está na pauta, aparentemente, sobretudo porque o ano que vem é eleitoral. E, do lado das despesas, o arrocho possível é bem diminuto — explicou Madeira.

Mas a incerteza em relação à reforma da Previdência é motivo de alerta, com a ressalva de que, mesmo se fosse aprovada como foi enviada pelo governo ao Congresso, as mudanças na aposentadoria só surtiriam efeitos nas contas públicas em uma década.

— Se a reforma da Previdência passar, o governo até conseguiria um deficit menor do que esse de R$ 129 bilhões no ano que vem. Se não passar, a economia entra em recessão e até esse deficit não conseguirá ser alcançado. Como esse número é só uma referência de teto, vale a pena ser realista com os novos parâmetros e esperar para ter boas notícias caso a reforma passe — diz Vale.

Para o diretor de Pesquisas para a América Latina do banco Goldman Sachs em Nova York, Alberto Ramos, as concessões feitas pelo governo na reforma da Previdência representam 20% da economia do projeto original e afetam o equilíbrio das contas.

— O governo faz o que pode, claro, mas poderia ter se empenhado um pouco mais. As concessões são substanciais e atrapalham a estratégia fiscal. Será preciso buscar outras fontes de receita, seja aumentando impostos ou cortando investimentos, para compensar — diz Ramos.

Otto Nogami, professor de economia do Insper, também acha que o governo cedeu muito rapidamente à pressão do Congresso para alterar o projeto original. Isso, diz, pode levar a mais pressões por modificações, descaracterizando totalmente a eficácia da reforma original, o que deixaria o problema para o próximo governo.

— Podem vir mais mexidas e, se isso acontecer, é sinal de que o governo está mais preocupado com um ajuste político — diz Nogami.

O estrategista-chefe do banco Mizuho no Brasil, Luciano Rostagno, considera que o mercado financeiro se empolgou muito com a aprovação fácil do teto dos gastos e acreditava que isso aconteceria com a reforma da Previdência:

— Agora, está corrigindo suas expectativas, considerando que a reforma seja aprovada, mas não sem um forte embate no Congresso e com mudanças no projeto original.

Para Rostagno, embora as mudanças reduzam em pelo menos R$ 115 bilhões a economia que era pretendida pelo governo, a espinha dorsal do projeto original está mantida. Na sua opinião, uma regra de transição mais flexível é o ponto que pode gerar mais perdas ao governo.

— Mas acredito que o governo só não poderá ceder na mudança da idade mínima, porque isso descaracterizaria totalmente o projeto. O governo terá que negociar muito para entregar uma reforma que agrade aos investidores — conclui Rostagno.

 

A opção de subir impostos parece ter sido descartada. E a margem para cortar despesas é pequena

 

O globo, n.30560 , 08/04/2017. Economia, p. 22