Delações descortinam triste tradição

Dimitrius Dantas

13/04/2017

 

 

Depoimentos revelam detalhes de esquema de corrupção que vem funcionando desde a década de 1980
 

Se a delação da Odebrecht deixou o futuro da política nacional imprevisível, o passado ficou mais claro: a corrupção da Odebrecht vem desde a década de 1980, pelo menos. Do Sambódromo ao metrô de São Paulo, passando por ferrovias e pela Avenida Perimetral de Florianópolis, a empreiteira já desfilava vantagens indevidas a pessoas ligadas a Leonel Brizola, Paulo Maluf e outros políticos ao redor do país.

As revelações estão na delação do ex-presidente do grupo Pedro Augusto Ribeiro Novis. Em seu depoimento, ele tratou de irregularidades praticadas pelo conglomerado nas décadas de 1980 e 1990, durante os governos estaduais de Brizola, no Rio; Maluf, Orestes Quércia e Luiz Antônio Fleury, em São Paulo; Álvaro Dias, no Paraná; e Esperidião Amin, em Santa Catarina.

“Segundo o colaborador, pessoas ligadas a essas autoridades teriam recebido vantagens indevidas por meio do Setor de Operações Estruturadas”, escreveu o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal.

O ministro, no entanto, atendeu ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que solicitou o arquivamento dos pedidos de inquérito nesses casos.

“As aludidas afirmações revelamse insuficientes a demonstrar a prática de delito criminal, o que afasta o interesse do Ministério Público Federal em dar continuidade ao feito”, decidiu o relator da Lava-Jato no STF.

Segundo Janot, além da inexistência de provas apresentadas e de possíveis caminhos para apurar os crimes, não há viabilidade para que se desse andamento a uma investigação formal.

“Ressalto, todavia, que o arquivamento deferido com fundamento na ausência de provas suficientes não impede o prosseguimento das investigações caso futuramente surjam novas evidências”, destacou Fachin.

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MALUF CHEGOU A COMEMORAR

Sem saber que havia sido mencionado, o deputado federal Paulo Maluf (PP-SP) comemorou, na terça-feira, que não havia sido citado na lista de Fachin.

“Também não estou na nova lista e eu já sabia, pois sempre ocupei cargos públicos para trabalhar pelo povo e as obras que fiz são minhas testemunhas de que trabalhei muito. O tempo é senhor da verdade e a população sabe disso. Maluf Faz”, escreveu o deputado.

O GLOBO não conseguiu localizar Maluf nem Amin. Já o senador Álvaro Dias (PV-PR) disse que, como o despacho cita “campanha com frustração na obtenção de obras”, a declaração trata-se, na verdade, de um atestado de boa conduta.

— Se houve a tentativa, a consequência foi a frustração na obtenção de obras. Não havia possibilidade de esquema. Se houve uma tentativa de esquema, não se consumou. Nosso governo não admitia em nenhuma hipótese — afirmou o senador.

No Rio, Pedro Novis apontou irregularidades em dois projetos: as obras do Sambódromo e os Centros Integrados de Educação Pública (Cieps), implantados na governo Leonel Brizola.

Em São Paulo, as irregularidades teriam seguido por três de quatro governos durante as décadas de 1980 e 1990. Desde a gestão de Maluf no Palácio dos Bandeirantes, a partir de 1979, até a de Luiz Antônio Fleury Filho, em 1991. A gestão de Orestes Quércia também foi lembrada por Novis. A única que ficou de fora foi a de André Franco Montoro (1983 a 1987). (*Estagiário, sob supervisão de Flávio Freire)

O globo, n.30565 , 13/04/2017. País, p. 5