Valor econômico, v. 17, n. 4226, 31/03/2017. Política, p. A8

Moro critica projeto de abuso de autoridade e é atacado por petistas

 

Fabio Murakawa
 

O juiz Sergio Moro fez ontem duras críticas ao projeto de lei que de abuso de autoridade, atualmente em tramitação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. O texto, de autoria do senador Renan Calheiros (PMDB-AL) e relatado por Roberto Requião (PMDB-PR), é visto por críticos como uma retaliação aos desdobramentos da Operação Lava-Jato, que tem entre seus alvos dezenas de parlamentares.

"Ninguém é favorável a abusos cometidos por juiz, promotor ou autoridade policial. Apenas se receia que, a pretexto de coibir abuso de autoridade, seja criminalizada a interpretação da lei", afirmou Moro, durante audiência pública em uma comissão especial da Câmara para reformar o código penal brasileiro. "O que a magistratura tem feito, e também recentemente a Procuradoria-Geral [da República], é apresentar sugestões de forma que deixe isso claro no projeto."

Nesta semana, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, apresentou aos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE) um projeto alternativo ao de Renan. Mas a proposta foi solenemente ignorada pelos senadores em sessão anteontem na CCJ, que tem dez parlamentares - cinco titulares e cinco suplentes - alvo de investigações na Lava-Jato. Para Moro, "a interpretação da lei, na avaliação de fatos e provas, não pode ser considerada crime", o que está no cerne da proposta de Janot.

"Senão houver uma salvaguarda clara e inequívoca nesse respeito, o grande receio é que os juízes passem a ter medo de tomar decisões que possam eventualmente ferir interesses especiais ou que envolvam pessoas política ou econo- micamente poderosas", afirmou.

No fim do ano passado, Moro participou de sessão temática no Senado para debater o projeto de abuso de autoridade. Foi convidado por Renan, que então presidia a Casa. O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), também participou. À época, Moro manifestou preocupação com a criminalização das interpretações dos magistrados.

"Nós não queremos inibir os juízes, mas nós queremos evitar que juízes façam política partidária", rebateu o deputado Paulo Teixeira (PT-SP), que ao lado de outros colegas de legenda partiu para o ataque contra Moro na comissão.

Teixeira questionou também os motivos que levaram o juiz a determinar a condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a divulgação de grampo de uma conversa entre ele e a então presidente Dilma Rousseff, no ano passado. "Vossa Excelência num contexto de golpe parlamentar estava pretendendo contribuir para a derrubada da presidente Dilma Rousseff?", indagou.

"À luz do que se passa hoje no Brasil, e em especial na capital do Paraná, eu não sei se estou ensinando corretamente direito penal para os meus alunos. Porque parece que há um direito em vigor, construído na República de Curitiba, e aquilo que eu ensino aos meus alunos", disse Wadih Damous (PT-RJ), que é advogado. "Vivemos a época de juízes celebridade, que vieram aqui salvar a política, salvar o Brasil", ironizou.

Após longa explanação sobre o código, Moro dedicou uma curta resposta aos petistas: "Não cabe a mim responder sobre casos concretos, sobre casos pendentes. Vim aqui para responder sobre o novo Código de Processo Penal. As instâncias superiores vêm mantendo minhas decisões. Não cabe a mim responder a perguntas ofensivas".

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Cunha é condenado a 15 anos de prisão

 
André Guilherme Vieira
 

O ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, (PMDB-RJ) foi condenado ontem a 15 anos de prisão por crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. A sentença é do juiz federal Sergio Moro, titular da Operação Lava-Jato na primeira instância no Paraná.

A condenação se deu em processo em que Cunha é acusado de receber propinas em operação realizada em 2011 para a aquisição de campo petrolífero em Benin, na África, pela Petrobras. A defesa de Cunha informou que recorrerá da decisão por meio de recurso ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

"Há concurso material, motivo pelo qual as penas somadas chegam a quinze anos e quatro meses de reclusão, que reputo definitivas para Eduardo Cosentino da Cunha. Quanto às penas de multa, devem ser convertidas em valor e somadas", determinou o juiz, que ordenou ainda que Cunha inicie o cumprimento de pena em regime fechado.

O ex-parlamentar foi preso preventivamente em 19 de outubro, em Brasília. Segundo a denúncia do Ministério Público Federal (MPF), Eduardo Cunha recebeu propina de 1,3 milhão de francos suíços. A acusação aponta que a propina foi paga pelo operador do PMDB João Augusto Henriques, que usou a offshore Acona International Investments aberta no Banco Suíço BSI.

O dinheiro da corrupção teve origem na Petrobras, segundo a Lava-Jato. A petrolífera adquiriu 50% dos direitos de exploração do campo de petróleo africano por US$ 34,5 milhões.

Na sentença, Sergio Moro afirmou que houve tentativa do ex-parlamentar de constranger o presidente Michel Temer, "buscando alguma espécie de intervenção indevida dele em favor do preso, o que não ocorreu".

O juiz se referiu aos quesitos dirigidos a Temer e apresentados pela defesa de Cunha durante a fase de instrução da ação penal.

"A conduta processual do condenado Eduardo Cosentino da Cunha no episódio apenas revela que sequer a prisão preventiva foi suficiente para fazê-lo abandonar o [modo de agir] modus operandi, de extorsão, ameaça e chantagem", observou o magistrado.

Algumas das perguntas dirigidas por Cunha a Temer foram "qual a relação de vossa excelência com o senhor José Yunes?", e "o senhor José Yunes recebeu alguma contribuição de campanha para alguma eleição de vossa excelência ou do PMDB?".

"Evidentemente, tais quesitos, entre outros, foram indeferidos por este juízo (...), já que não se pode permitir que o processo judicial seja utilizado para essa finalidade, ou seja, para que parte transmita ameaças, recados ou chantagens a autoridades ou a testemunhas de fora do processo", disse Moro.

As perguntas de Cunha aludem ao suposto repasse de R$ 4 milhões da Odebrecht ao hoje ministro da Casa Civil Eliseu Padilha (PMDB), que teriam sido entregues no escritório do advogado e ex-assessor especial da Presidência, José Yunes.

Em fevereiro o advogado prestou depoimento espontâneo ao Ministério Público e disse que recebeu envelope enviado ao seu escritório pelo doleiro Lúcio Funaro, a pedido de Padilha, durante a campanha presidencial de 2014.

Yunes afirmou que não imaginou que se tratasse de dinheiro e que não abriu o envelope.