Novo plano B

Luiz Ernesto Magalhães

13/04/2017

 

 

Com a demora da ajuda federal, estado busca forma de obter, com urgência, R$ 1,5 bi

 

Por falta de pagamento, a sede do governo do Estado do Rio teve as linhas telefônicas cortadas pela Oi. Por causa de débito com a Light, quatro prédios públicos tiveram o fornecimento de energia elétrica interrompido e funcionam às escuras. A demora da Câmara dos Deputados em aprovar o projeto para socorrer os estados em crise aprofundou ainda mais as dificuldades financeiras do Rio. Mesmo se a lei for aprovada este mês, abrindo caminho para o Rio deixar de pagar as dívidas com a União por um prazo de três anos e contrair novos empréstimos no valor de R$ 3,5 bilhões, a ajuda não será mais suficiente para reequilibrar o caixa do estado. Nas contas do Palácio Guanabara, enquanto o dinheiro federal não chega, o governo precisa adotar medidas urgentes para obter de R$ 1 bilhão a R$ 1,5 bilhão nos próximos meses e, assim, reforçar as receitas. Como não há previsão de quando haverá o aval para o empréstimo, um plano B está sendo gestado.

Propostas que podem ser implementadas sem a necessidade de aprovação da Assembleia Legislativa (Alerj) serão detalhadas na semana que vem por integrantes do governo. Algumas já haviam sido cogitadas, mas será apressadas, como o lançamento de editais para a venda dos créditos tributários inscritos em Dívida Ativa (a chamada securitização) e a concessão das linhas de ônibus intermunicipais. Mas pelo menos uma das medidas, que precisa do sinal verde do Legislativo, deve gerar polêmica. O estado vai pedir à Assembleia que aprove um projeto autorizando o pagamento antecipado de ICMS (provavelmente de parcelas que vencem até o fim do ano) em troca de descontos no valor do tributo. A vantagem é que a iniciativa pode garantir um ingresso rápido de recursos; a desvantagem é que representa uma renúncia de receita futura, o que costuma gerar resistência.

__________________________________________________________________________________________________________________

ESTADO NÃO PREVIA DEMORA NA CÂMARA

A informação sobre o novo pacote foi divulgada ontem numa reunião realizada com técnicos do governo no Colégio de Líderes da Alerj, que teve a participação de representantes do Judiciário e do Ministério Público. No caso da Dívida Ativa, enquanto o edital de securitização não é publicado, o estado pretende intensificar nas próximas semanas, com o apoio do Judiciário, a cobrança de tributos estaduais em atraso. Os procuradores do estado vão avaliar em que situações eles podem pedir à Justiça o bloqueio dos valores das dívidas diretamente nas contas bancárias dos inadimplentes. Outra providência a ser tomada será uma revisão dos critérios de recolhimento do ICMS.

O secretário estadual da Casa Civil e Desenvolvimento Econômico, Christino Áureo, que participou do encontro, explicou que parte dessas medidas já vinha sendo estudada porque faz parte do acordo com a União. Ele explicou que elas serão antecipadas numa tentativa de captar mais recursos para o caixa. Áureo admitiu que o estado não havia previsto que tramitação do projeto na Câmara dos Deputados se alongasse tanto:

— Fechamos um acordo com o governo federal para fazer o ajuste fiscal no fim de janeiro, com base no projeto de lei que seria discutido pelo Congresso. Contávamos que o projeto fosse aprovado em março, o que não aconteceu. Não conseguimos também que o Supremo Tribunal Federal (STF) autorizasse a concessão de um empréstimo com base apenas no acordo. A realidade é que precisamos fazer ajustes na receita mesmo que o projeto seja aprovado este mês. Depois de a lei ser sancionada, haverá formalidades burocráticas a cumprir para aderir ao acordo. Esse processo pode demorar até três meses.

Áureo acrescentou que o estado pretende contar com a ajuda do Judiciário para agilizar as cobranças de impostos. Segundo ele, uma saída é obter recursos com o bloqueio de créditos nas contas dos devedores.

— O próprio governo do estado tem sofrido bloqueios em suas contas por causa de atrasos em pagamentos — comparou o secretário.

Outra medida para tentar reforçar o caixa é tentar antecipar o processo de escolha do banco que vai ficar responsável pela gestão nos próximos anos (prazo ainda não divulgado) das contas em que servidores recebem salários e fornecedores, os pagamentos do estado. O contrato atual vence em novembro. A ideia do governo é convencer o banco que vencer a licitação a antecipar para o caixa do Tesouro parte dos valores pelo contrato.

O projeto de lei para socorrer os estados estava previsto para ser votado inicialmente no fim de março. A expectativa é que na última terça-feira houvesse quórum, mas a sessão na Câmara dos Deputados acabou suspensa de novo. Desta vez, devido ao impacto causado entre os parlamentares da divulgação da lista de denunciados na operação Lava-Jato por suspeita de recebimento de propinas com base na delação premiada de executivos da Construtora Odebrecht.

Enquanto a lei não é aprovada e o acordo assinado, o governo do estado continua sendo obrigado a pagar à União 13% do que arrecada com impostos para o pagamento do chamado serviço da dívida (juros). Nesse cálculo, não estão incluídas as parcelas do principal da dívida, que não vêm sendo pagas. Por isso, a União tem bloqueado repasses federais para o Rio. Desde o ano passado, por inadimplência nos pagamentos, R$ 1 bilhão foi retido.

Áureo evitou fazer projeções de quando será possível colocar todas as contas em dia. A demora para concluir o processo de renegociação, porém, tem suas consequências. Nas estimativas do economista Raul Velloso, especialista em contas públicas, sem conseguir suspender os pagamentos de compromissos porque a lei ainda não foi aprovada, o Rio vem perdendo cerca de R$ 1 bilhão mensalmente. A perda, que acontece desde janeiro, garantiria receitas que poderiam ter sido realocadas para quitar salários de funcionários da ativa, aposentados e pensionistas. O Palácio Guanabara também ainda não quitou o 13º de 2016 de mais de 200 mil servidores da ativa, aposentados e pensionistas: a dívida acumulada chega a R$ 1,2 bilhão. Na segunda-feira, o estado promete pagar os salários de março dos servidores da Segurança (ativos, inativos e pensionistas) e da Educação (somente os da ativa). Nomesmo dia, devem receber os salários (ainda relativos ao mês de fevereiro) as demais categorias do funcionalismo.

___________________________________________________________________________________________________________________

DA EXTREMA-UNÇÃO PARA A UTI

Os bloqueios sucessivos também impedem repasses de recursos que poderiam quitar parte das dívidas com fornecedores. E o que não faltam são compromissos em atraso. Ao todo, o estado ainda tem dívidas de R$ 11 bilhões com empresas por compromissos de 2016.

— São somas consideráveis que o estado deixa de injetar de alguma forma na economia. O problema é que, mesmo que o acordo já tivesse sido assinado, os recursos só seriam suficientes para colocar em dia os compromissos mais urgentes. Outros teriam que ser deixados para pagar nos próximos anos. De qualquer forma, a margem de gastos ainda será bem apertada. Diria que daria para as contas do estado saírem de uma situação de extrema-unção para a UTI — comparou o economista Raul Velloso.

O presidente da Comissão de Tributação da Alerj, Luiz Paulo Corrêa da Rocha (PSDB), chegou a uma estimativa semelhante. Nas contas do deputado, as perdas do estado pela demora em fechar o acordo já chegam a R$ 3,5 bilhões entre janeiro e a primeira quinzena de abril:

— É um processo. O servidor recebe atrasado. Não consome. O estado deixa de recolher ICMS. O fornecedor também não recebe, e o estado não arrecada — disse Luiz Paulo.

O globo, n.30565 , 13/04/2017. Rio, p. 10