Uma rede que só se amplia

Juliana Castro

07/04/2017

 

 

Negociações para delação premiada aumentam leque de suspeitas sobre esquema de Cabral

Quase cinco meses depois da prisão do ex-governador Sérgio Cabral, empresários de dois grandes grupos que atuam no Rio estão próximos de colaborar com as investigações sobre o esquema de corrupção liderado pelo peemedebista. Em uma frente, a cúpula da rede de joalherias H.Stern fechou acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal (MPF) para revelar detalhes sobre o funcionamento do sistema usado para lavar o dinheiro movimentado pelo grupo. Em outra negociação, os procuradores discutem com o presidente da Rica Alimentos, Luiz Alexandre Igayara, a possibilidade de acordo para que ele explique o mecanismo para entrega de propina aos membros da organização criminosa.

Igayara é réu por lavagem de dinheiro em processo da Operação Calicute, o mesmo a que Sérgio Cabral (PMDB) responde. O empresário não está preso. À força-tarefa da Lava-Jato, os irmãos doleiros Marcelo e Renato Chebar, contaram que dinheiro de propina era entregue na sede da empresa de Igayara, que, depois, celebrava contratos fictícios com os operadores de Cabral para esquentar os recursos do esquema. Advogado do empresário, Michel Assef Filho negou, no entanto, que exista negociação para delação.

No caso da H.Stern, o acordo envolve o presidente da joalheria, Roberto Stern; o vice-presidente, Ronaldo Stern; o diretor financeiro, Oscar Luiz Goldemberg; e a diretora comercial, Luiza Trotta. Eles concordaram em pagar multas que somam R$ 18,9 milhões.

As investigações do MPF apontam que parte da propina recebida por Cabral era usada para comprar joias, principalmente na H.Stern e na joalheria Antonio Bernardo. Na Antonio Bernardo, que não tem nenhum tipo de acordo para delatar o esquema, o ex-governador e Adriana compraram 460 peças, avaliadas em R$ 5,7 milhões. Os investigadores desconfiam de lavagem de dinheiro das joalherias com a compra de joias em troca de benefícios fiscais.

Segundo as investigações, Cabral e a ex-primeira-dama Adriana Ancelmo compraram cerca de 40 peças da H.S- tern, totalizando R$ 6,3 milhões. A multa a ser paga pelo alto escalão, portanto, corresponde a três vezes esse valor. Os Stern pagarão R$ 8,95 milhões cada um, enquanto os diretores vão desembolsar R$ 500 mil cada.

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DIRETORA DE JOALHERIA JÁ COLABORA

Maria Luiza já prestou depoimento como colaboradora em março. Na ocasião, disse que uma joia, de R$ 1,2 milhão, foi paga em dinheiro vivo, por meio de Carlos Miranda, operador de Cabral. Depois, ela trocou a joia de R$ 1,2 milhão por um brinco de diamante canário no valor de R$ 1,8 milhão. A diferença, de R$ 600 mil, também foi paga em dinheiro vivo. Segundo ela, Cabral sempre pedia que não fossem emitidas notas fiscais.

Quando a compra era feita por Adriana na H.Stern, às vezes eram emitidas notas, às vezes não. Uma compra foi paga em uma conta na Alemanha, a pedido do ex-governador. — O Sérgio Cabral pediu para pagar uma venda no exterior, eu disse que não sabia se seria possível. Voltei, perguntei se seria possível, tive a resposta e voltei à casa dele com o número da conta. O pagamento foi feito na Alemanha, mas não sei como feito — afirmou Maria Luiza Trotta. A exemplo da Antonio Bernardo, a H.Stern só emitiu e entregou as notas ao MPF após a prisão de Cabral. Na lista de joias compradas pelo grupo de Cabral entregue pela joalheria antes do acordo, destacam-se um anel de outro branco de 18 quilates, com esmeralda, avaliado em R$ 342 mil; e um colar denominado Blue Paradise, no valor de R$ 229 mil. No mesmo dia em que foi preso, Cabral disse à Polícia Federal que “não se recorda” das compras atestadas por Maria Luiza, funcionária da joalheria há mais de 30 anos. Em relação à Rica Alimentos, o MPF sustenta que a empresa dissimulou a origem de R$ 2,9 milhões por meio de contratos fictícios com o escritório de Adriana Ancelmo, a LRG Agropecuária, do operador Carlos Miranda, e a CSMB Serviços de Informática, do operador Carlos Bezerra. Eles negam as acusações. Quando prestou depoimento, o ex-governador disse que Igayara é seu amigo de longa data e que teve relação comercial com ele há muitos anos, antes de comandar o governo. Já Adriana reservou-se ao direito de permanecer em silêncio, aleMaria gando sigilo profissional.

Em depoimento, em novembro do ano passado, Igayara afirmou que “acredita que tenha estado pessoalmente com Adriana Ancelmo uma vez e sobre ela somente sabe aquilo que é veiculado na imprensa”. Acrescentou à época que já realizou consulta ao escritório da ex-primeiradama, mas precisaria verificar se efetivamente foi celebrado algum contrato.

Ontem, em depoimento no processo da Calicute, o advogado Paulo Fernando de Oliveira Aguiar afirmou que acompanhou Igayara, cliente seu na área cível há 30 anos, em dois encontros no escritório de Adriana porque o empresário estava insatisfeito com a banca que atuava nos processos trabalhistas. O advogado contou que ele mesmo deu parecer contrário ao escritório de Adriana porque “não sentiu firmeza jurídica”. Segundo Aguiar, a empresa da ex-primeira-dama não foi contratada.

Assef Filho, que defende Igayra na Calicute, pediu para ouvir Thiago Aragão, sócio de Adriana e preso na Operação Eficiência. Ele diz que Aragão poderia confirmar que houve a contratação, mas o depoimento dele foi indeferido pelo juiz Marcelo Bretas.

A H.Stern informou que não vai se manifestar sobre o assunto. A defesa de Cabral disse que só vai se manifestar nos autos, e a de Adriana afirmou que desconhece os termos das delações.

Cabral está preso desde novembro do ano passado, quando foi deflagrada a Operação Calicute. Adriana Ancelmo foi presa em dezembro; este mês teve sua prisão preventiva convertida em prisão domiciliar.

O globo, n.30559 , 07/04/2017. País, p. 3