Valor econômico, v. 17, n. 4226, 31/03/2017. Especial, p. A16

Impasse no STF atrasa planos de delatores da Odebrecht

 

Murillo Camarotto
Daniel Rittner
 

"Parabéns! Você agora está do lado da Justiça e da sociedade". A frase foi dita por um procurador da Lava-Jato a cerca de 40 executivos da Odebrecht que lotavam o auditório da Procuradoria-Geral da República (PGR), em Brasília. Apesar do tom elogioso, a mensagem soou como uma sentença aos novos delatores, que em troca de reduções significativas de suas punições - a maioria se livrou da cadeia - causaram um terremoto na capital federal, ao detalharem uma farta distribuição de dinheiro a mais de uma centena de políticos.

Preocupados com a retomada das carreiras após o vendaval da Lava-Jato, muitos desses executivos aguardam com ansiedade o início do cumprimento das penas, que no caso da Odebrecht vão de dois a 12 anos - a maior parte em prisão domiciliar, regime semiaberto ou prestação de serviços. Contudo, passados dois meses da homologação dos acordos pelo Supremo Tribunal Federal (STF), os delatores não começaram a pagar suas penitências.

Os acordos da Odebrecht preveem o início do cumprimento imediatamente após a homologação, oficializada pela presidente do STF, ministra Carmen Lúcia, no dia 30 de janeiro deste ano. Apesar disso, os delatores e seus advogados não foram notificados dessa homologação, o que impede que as penas acordadas com o Ministério Público Federal comecem a ser cumpridas.

Questionado, o STF comunicou apenas que "foram observados todos os procedimentos previstos em lei", mas não confirmou se fez as notificações. Além dos advogados, procuradores da força-tarefa da Lava-Jato também não receberam o despacho judicial referente às homologações dos acordos da Odebrecht.

Enquanto isso, muitos colaboradores tentam se ocupar como podem. Montam academia em casa e se inscrevem em cursos online de universidades estrangeiras. Vários aproveitaram o mês de dezembro para fazer uma última viagem de férias com as famílias antes de iniciar o período de reclusão. O parque da Disney, em Orlando, nos Estados Unidos, foi um dos destinos mais visitados.

Segundo apurou o Valor, os executivos mais jovens são os mais ansiosos para iniciar logo o cumprimento da pena prevista no acordo de delação, pois sabem que terão que se recolocar no mercado e trabalhar por muitos anos. Já os mais velhos têm demonstrado preferência por esperar a sentença judicial e, com isso, arrastar pelo maior tempo possível o período de liberdade.

Um caso recente é o do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, delator da Lava-Jato. O acordo firmado por ele - que tem 70 anos de idade - previa o cumprimento da pena imediatamente após a homologação, mas Machado preferiu esperar a decisão judicial do seu caso, alegando questões pessoais. O acordo dele previu três anos de pena, sendo dois anos e três meses com tornozeleira eletrônica e nove meses em regime semiaberto.

Um dos riscos para quem começa a cumprir pena imediatamente é ficar preso à toa. Apesar de remota, há possibilidade de a sentença judicial desconsiderar os benefícios do acordo. Em outra situação, o réu poderia receber uma pena menor do que a previamente firmada com o MPF.

Os representantes da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba explicaram que não há regra para o início do cumprimento da pena prevista nos acordos. "Há casos em que o colaborador tem que aguardar o julgamento para, depois, cumprir a pena. Em outros o colaborador já estava preso e este período foi levado em consideração na soma da pena total até a progressão de regime", explicou a Procuradoria da República no Paraná, em nota.

Ainda segundo a força-tarefa, os delatores não têm liberdade para escolher o que lhes for mais conveniente. A definição é feita após a negociação entre o MPF e a defesa. No caso da Odebrecht, advogados e colaboradores garantem que havia um acordo com o ministro Teori Zavascki para que as penas começassem a valer após a homologação. O magistrado, porém, morreu em um acidente aéreo em 19 de janeiro antes de homologar os acordos.

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PP é alvo de ação de improbidade

 

A força-tarefa da Operação Lava-Jato em Curitiba anunciou ontem que pediu, em ação de improbidade administrativa, que o Partido Progressista (PP) e 11 de seus filiados sejam condenados a pagar R$ 2,3 bilhões aos cofres públicos.

Os procuradores pedem que seja determinada, de forma cautelar, a indisponibilidade de R$ 1,84 bilhão dos políticos e do partido. Por força de lei, contudo, o pedido não atinge o fundo partidário do PP - de forma a "não impedir o exercício da atividade político-partidária", segundo o coordenador da força-tarefa da Lava-Jato no MPF, o procurador Deltan Dallagnol.

O montante que é objeto do pedido de bloqueio cautelar se refere à propina recebida pelo PP e seus filiados em contratos da diretoria de abastecimento da Petrobras e na "atuação em prol dos interesses da Braskem, empresa do Grupo Odebrecht, especialmente no contrato de comercialização de nafta com a estatal", acrescida de multa.

Outras legendas envolvidas na Lava-Jato, como PT e PMDB, podem ser alvo de ações semelhantes. "Isso será avaliado no momento oportuno conforme investigações amadureçam", disse Dallagnol, em entrevista coletiva concedida em Curitiba.

A ação também pede a suspensão de direitos políticos e a perda de tempo de aposentadoria especial de deputados federais de políticos do partido. O PP indicou o ex-diretor de Abastecimento da empresa, Paulo Roberto Costa, preso na segunda fase da operação, em março de 2014.

Além do PP, pessoa jurídica, a ação também pede a condenação dos ex-deputados federais Pedro Corrêa (PE), Pedro Henry (MT), João Pizzolatti (SC) e Mário Negromonte (BA), e dos atuais deputados federais Nelson Meurer (PR), Mário Negromonte Júnior (BA), Arthur Lira (AL), Otávio Germano (RS), Luiz Fernando Faria (MG) e Roberto Britto (BA), além de João Genu, ex-assessor parlamentar do ex-deputado federal José Janene, morto em 2010.

O MPF quer que o PP e o que chama de "grupo de liderança" do partido - Corrêa, Henry, Pizzolatti, Negromonte, Meurer e Genu - sejam condenados a devolver R$ 460,6 milhões aos cofres públicos. O valor é o equivalente à propina paga ao PP, a seus filiados e a terceiros "a partir do esquema de corrupção estabelecido na Diretoria de Abastecimento da Petrobras".

Apenas ao "grupo de liderança" o MPF atribui o pagamento de R$ 410 milhões em propinas, que somaram 1% do valor total dos contratos da Diretoria de Abastecimento entre 2004 e 2014.

Os procuradores da Lava-Jato requereram à Justiça, ainda, o pagamento de multa civil de R$ 1,38 bilhão e de danos morais coletivos em "montante não inferior" a outros R$ 460,6 milhões.

Aos deputados federais Germano, Britto e Faria, o MPF atribui o recebimento de "mesadas" de R$ 30 mil que somaram mais de R$ 2,5 milhões a cada um dos políticos. A ação pede que Germano seja condenado a devolver R$ 2,97 milhões, a pagar multa de R$ 8,9 milhões e danos morais de outros R$ 2,97 milhões. De Britto e Faria, os procuradores querem devolução de R$ 2,55 milhões, pagamento de multa de R$ 7,65 milhões e de danos morais de mais R$ 2,55 milhões a cada um.

Negromonte Jr. e Lira são mencionados como destinatários de pagamentos eventuais que alcançam R$ 2 milhões. O MPF quer que a Justiça condene Negromonte Jr. a devolver R$ 683,2 mil, a pagar multa R$ 2 milhões danos morais de outros R$ 683 mil. De Lira, os procuradores querem o ressarcimento de R$ 1,9 milhão em propinas, pagamento de multa R$ 5,8 milhões e mais R$ 1,9 milhão em danos morais.

Há outros 21 políticos do PP sendo investigados por recebimento de propinas no esquema de corrupção da Petrobras inclusive com mandato parlamentar. Eles também podem, eventualmente, ser denunciados em ações como a impetrada hoje.

Na entrevista coletiva em Curitiba, o MPF afirmou que o PP recebeu mais dinheiro em propinas que do fundo partidário entre 2004 e 2014. Em dez anos, R$ 296 milhões fruto de corrupção em contratos da Petrobras entraram nos cofres do partido, segundo os procuradores, ante R$ 179 milhões repassados pelo governo federal, segundo a legislação partidária.

Segundo o MPF, os R$ 296 milhões que ficaram com o PP são a soma de 60% da propina paga em contratos da diretoria de Abastecimento e de 70% do dinheiro pago indevidamente nos firmados com a Braskem.

Uma consulta ao portal do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostra que o PP e a Rede são os únicos partidos de que não constam balanço patrimonial e demonstração do resultado do exercício de 2015, último ano disponível. Com isso, não é possível afirmar qual o patrimônio do diretório nacional da legenda.

Em nota, o PP afirmou que "todas as doações recebidas foram legais e devidamente declaradas e aprovadas" pela Justiça Eleitoral. O partido disse ainda que não compactua com condutas ilícitas e que "confia na Justiça para que os fatos sejam esclarecidos". A Braskem lembrou, também em nota, que assinou acordo de leniência e está pagando mais de R$ 3 bilhões em multas e indenizações.