PEZÃO ADMITE REUNIÃO COM DELATOR, MAS NEGA FRAUDE

Marco Grillo

07/04/2017

 

 

Governador afirma ainda que delação que o acusa de benefício pessoal é ‘mentira deslavada’
 

Em depoimento ao juiz Moro como testemunha de Cabral, o governador Pezão disse desconhecer esquema de corrupção liderado por seu antecessor. Em entrevista, negou participação em escândalos, mas admitiu encontro com delator. O governador do Rio, Luiz Fernando Pezão (PMDB), reconheceu que se reuniu, em seu apartamento, no Leblon, com o ex-presidente do Tribunal de Contas do Estado (TCE) Jonas Lopes de Carvalho. O encontro aconteceu em 2013, quando Pezão era vice-governador. Os relatos sobre as razões do jantar, no entanto, são divergentes. Jonas Lopes afirmou ao Ministério Público Federal (MPF) que o objetivo era discutir a distribuição de propinas aos conselheiros do TCE, enquanto Pezão disse, ontem, que convocou o encontro para cobrar maior rapidez do tribunal na análise de editais.

Em delação premiada, o ex-presidente do TCE sustentou que a reunião foi organizada para debater um “boato”. Segundo o depoimento, desde a eleição do ex-governador Sérgio Cabral, em 2007, os conselheiros passaram a receber uma propina de 1% sobre toda obra do estado que custasse mais de R$ 5 milhões. Planilhas apreendidas na busca e apreensão feita no gabinete de Jonas Lopes, em dezembro, trazem várias obras do estado, com anotações que foram interpretadas como indícios do pagamento de suborno.

Havia, porém, uma suspeita de que o então secretário de Obras, Hudson Braga, que está preso, estivesse cobrando 2% das empresas, “em nome do TCE”. Irritados com a possibilidade de parte do dinheiro arrecadado ilicitamente não estar chegando aos seus bolsos, os conselheiros cobraram um posicionamento do então presidente do órgão. Jonas Lopes levou a reclamação adiante e, segundo o relato, Pezão convocou o encontro para resolver o impasse.

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GOVERNADOR: REUNIÃO COBROU AGILIDADE DO TCE

O clima no jantar teria sido tenso: o delator disse que chegou a apontar o dedo para Braga, afirmando que ele estava “cobrando vantagens indevidas em nome do TCE”, sem repassá-las ao “órgão de controle”. Pezão e o então secretário de Governo, Wilson Carlos, também preso, teriam atuado para acalmar os ânimos, diz o relator. Wilson Carlos, então, teria se comprometido a acompanhar de perto os repasses, para evitar futuros problemas. O conselheiro Aloysio Neves, preso na semana passada, também esteve presente.

“Pezão acompanhou toda a reunião e dela participou ativamente, inclusive intervindo para acalmar as discussões iniciais. Toda a discussão sobre as vantagens indevidas pagas ao TCE foi feita às claras, na presença de Pezão”, contou Jonas Lopes ao MPF.

O governador rebateu a versão. Ele disse que convocou a reunião, que ocorreu à noite, em sua casa, para cobrar agilidade do TCE. De acordo com o delator, foi servido o vinho tinto “Barca Velha”, cujo preço pode oscilar entre R$ 1.300 e R$ 3.300, a depender do ano.

— A gente fez isso durante quase todo o mandato (enviar os editais para prévia análise do TCE). Estava demorando muito, a análise do Tribunal de Contas. A gente tomou isso como precaução. Cada secretaria tinha os seus procuradores, até para dar mais garantia das exigências dos editais. Essa reunião foi para cobrar, porque todos nós que éramos cobrados, tanto pela população, pelos atrasos de obras, e pela demora, às vezes, de um recurso que vinha de Brasília (para uma obra específica). Muitas vezes nós corríamos risco até de perder os recursos — afirmou o governador.

Pezão também negou que tenha se beneficiado com R$ 900 mil de outro braço da corrupção do TCE: o recolhimento de propina em empresas da área de alimentação. Outro delator, o advogado Jonas Lopes Neto, operador do esquema e filho do ex-presidente do TCE, disse que o subsecretário adjunto de Comunicação do governo, Marcelo Amorim, contou a ele ter pago despesas pessoais do governador com dinheiro ilícito. O subsecretário, conhecido como Marcelinho, é casado com uma sobrinha de Pezão.

— É mentira deslavada. Eu nem conheço o Jonas Lopes Neto. O Marcelo já depôs (à Polícia Federal). Eu tenho muita tranquilidade quanto a isso. Quem conhece o meu padrão de vida sabe que isso aí foge a qualquer propósito. Nem meus quatro anos de salário (como governador) dão um dinheiro desse. Única coisa que sei é que vou processá-lo pela mentira — afirmou o governador, após prestar depoimento, por videoconferência, ao juiz Sérgio Moro.

 

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Perguntas e respostas

 

– Por que Pezão prestou depoimento?

– O governador foi arrolado pela defesa do ex-governador Sérgio Cabral para prestar depoimento em três processos: o da Operação Lava-Jato, que corre em Curitiba (o prestado ontem); o da Operação Calicute, julgado no Rio; e o da Operação Eficiência, também no Rio.

 

– Por que Pezão vai depor de novo hoje?

– O depoimento de ontem foi ao juiz Sérgio Moro, na ação penal que apura denúncias de pagamento de propina nas obras do Comperj, em Itaboraí. O alvo é o contrato da Petrobras com o Consórcio Terraplanagem Comperj, formado pelas empresas Andrade Gutierrez, Odebrecht e Queiroz Galvão. O depoimento de hoje é ao juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio, em ação da Operação Calicute. No processo da Operação Eficiência, Pezão já foi chamado a depor, mas ainda não há data definida.

 

– Existe alguma denúncia formal contra Pezão no âmbito da Lava-Jato?

– Não. Pezão fala na condição de testemunha. Ele é citado por delatores, mas ainda não há denúncia formal contra o governador. O nome de Pezão é um dos que aparecem na lista de pedidos de abertura de inquérito enviada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ao STF, com base nas delações de executivos da Odebrecht. Pezão já tinha sido citado na primeira lista do procurador, em 2015, mas o caso foi arquivado por falta de provas.

 

Do que Cabral é acusado?

No Rio, Cabral é acusado de desviar cerca de R$ 224 milhões de contratos do governo do estado. Somente as construtoras Andrade Gutierrez e Carioca Engenharia teriam repassado R$ 30 milhões ao esquema, referentes a obras como a reforma do Maracanã e o Arco Metropolitano, em troca de aditivos em contratos públicos e incentivos fiscais. Na ação julgada em Curitiba, o ex-governador é acusado de ter recebido R$ 2,7 milhões em propina da Andrade Gutierrez, relacionada ao contrato de terraplanagem do Comperj. Ele ainda responde por irregularidades cometidas junto com o empresário Eike Batista, também preso.

O globo, n.30559 , 07/04/2017. País, p. 3