Valor econômico, v. 17, n. 4226, 31/03/2017. Empresas, p. B1

MP dá superpoderes a interventor

 
Daniel Rittner
Rafael Bitencourt

 

A medida provisória em reta final de elaboração no governo para resolver a crise da Oi prevê a possibilidade de até 36 meses de intervenção na operadora. O interventor terá "plenos poderes" sobre as operações da empresa e a "prerrogativa exclusiva de convocar a assembleia geral nos casos em que julgar conveniente".

O mandato dos administradores (diretoria e conselho de administração) e do conselho fiscal poderá ser suspenso por determinação do poder concedente.

O Valor teve acesso à minuta da MP, que deve ser publicada nos próximos dias. Trabalha-se, no Palácio do Planalto, com a perspectiva de publicar a medida provisória na semana que vem, mas ela ainda está em fase de ajustes finais. Já houve diversas versões do texto, desde o início da discussão sobre a Oi, para torná-lo mais enxuto e menos passível de contestações.

Um dispositivo da MP diz que o prazo de eventual intervenção seria de até um ano, prorrogável uma só vez, por até mais dois anos. Segundo fontes oficiais, o desejo do governo continua sendo não entrar na operadora.

Está definido, por exemplo, que uma intervenção não ocorrerá logo em seguida à publicação da medida provisória. Ela servirá como um último voto de confiança nos atuais acionistas para que entrem em acordo com os credores. O plano de recuperação recém-aprovado pelo conselho da Oi e protocolado na Justiça do Rio de Janeiro, que conduz o processo de recuperação judicial, foi mal visto pelo governo.

A MP dá guarida jurídica à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para firmar um intrincado Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com a Oi, que está travado no Tribunal de Contas da União (TCU). Logo no início, a medida permite ao devedor "apresentar para o poder concedente proposta que substitua os débitos não tributários junto a ele", especificando o TAC.

Além disso, autoriza uma repactuação das dívidas que saíram do âmbito da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e migraram para cobrança pela Advocacia-Geral da União (AGU).

Nesse caso, o prazo atual de cinco anos para pagamento dos débitos - inscritos ou não na Dívida Ativa da União - sobe para dez anos. Em vez de incidência da taxa Selic sobre o valor total, haveria aplicação de juros mais baixos e de forma escalonada para o pagamento das parcelas mensais.

Intervir ou não na Oi dependerá essencialmente, conforme afirmam assessores presidenciais, da capacidade de resposta dos acionistas em oferecer um plano crível de recuperação e costurar acordo com os credores.

Segundo a versão da MP obtida pelo Valor, se houver uma escolha pelo caminho da intervenção, não haverá necessidade de comprovar risco à continuidade dos serviços. Os indicadores de qualidade da Oi melhoraram nos últimos meses, o que dificultaria uma ação do governo com base nessa justificativa. Por isso mesmo, o texto autoriza a União a intervir nas empresas "em situação econômico-financeira que coloque em risco a prestação de serviços públicos à população".

Mesmo assim, em uma postura de cautela, a Anatel convocou Vivo, TIM e Claro para discutir um plano operacional em caso de problemas com a rede da Oi.

"O ofício enviado às operadoras faz parte do trabalho de rotina da agência, que já realizamos anteriormente e vamos fazer agora", disse o presidente da agência, Juarez Quadros. Ele ressaltou que não houve, até agora, nenhuma deterioração na qualidade dos serviços oferecidos.

De acordo com Quadros, a Anatel pedirá informações sobre o nível de dependência da rede da Oi e pretende cobrar a apresentação de medidas que poderão ser tomadas para garantir a continuidade dos serviços, no caso de problemas na oferta de infraestrutura de rede pela concorrente.

Ressalvando que não conhecia os termos exatos da MP em elaboração no governo, uma pessoa ligada ao comando da Oi ficou alarmada com a amplitude dos poderes dados a um interventor e observou: "Hoje a Anatel tem apenas um observador no conselho de administração. É como estar condenado a pagar cestas básicas e, subitamente, mudarem sua pena para prisão perpétua".

Advogados familiarizados com o assunto e consultados pelo Valor apontaram outro problema: a MP obriga os juízes que conduzem recuperações judiciais a consultar o poder concedente (União) antes de deferir novos pedidos de recuperação.

O mesmo dispositivo da medida provisória dá prazo de 30 dias úteis para o governo se manifestar, antes de decretação de falência, sobre a realização de "diligências necessárias para a continuidade do serviço" prestado pela empresa que está em recuperação judicial.