Título: Confrontação improdutiva
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Fonte: Correio Braziliense, 12/01/2012, Opinião, p. 16

É hora de começar a perceber a diferença entre a luz e o calor na polêmica em torno das atribuições do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), surgida depois que dois ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) concederam liminares em processos que discutem a constitucionalidade de certas ações que vinham sendo desenvolvidas pela Corregedoria Nacional de Justiça, órgão do CNJ. Numa delas, o ministro Marco Aurélio Mello concluiu ser prudente suspender, até que se julgue o mérito da questão, uma série de investigações da Corregedoria Nacional com foco em juízes e desembargadores, num trabalho que muitos consideram atropelar as corregedorias de tribunais regionais. A outra liminar foi concedida pelo ministro Ricardo Lewandowski, que mandou sustar algo que magistrados consideram quebra de sigilo bancário, também pelo órgão federal, de mais de 200 mil juízes e servidores da Justiça lotados em 22 tribunais em todo o país.

No primeiro caso, discute-se se o papel que cabe à correição nacional é complementar ou autônomo em face à existência e funcionamento das corregedorias regionais. Entende o ministro Marco Aurélio que a atividade correicional do CNJ é constitucionalmente subsidiária à dos tribunais. Já os que apoiam a corregedora nacional de Justiça, Eliana Calmon, à frente do caso no CNJ, argumentam que as corregedorias regionais funcionam mal e seriam contaminadas pelo corporativismo, o que as impede de realizar a investigação de desvios e a punição de seus eventuais autores. No segundo, questiona-se a legalidade do fornecimento de informações prestadas ao CNJ pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), do Ministério da Fazenda, em que são detectadas movimentações anormais de dinheiro. Com inegável viés de devassa, essa investigação é acusada não apenas de quebra ilegal e injustificada de sigilo bancário de milhares de pessoas, como de fugir às atribuições da Corregedoria Nacional. Os que a defendem argumentam que as entidades de magistrados que obtiveram a liminar pretendem tão somente manter essa classe acima dos rigores da lei e imunes à transparência.

Ao declarar que no Judiciário há bandidos de toga e que os que a contestam não vão conseguir o intento de desmoralizá-la, a corregedora nacional acabou dando tom inadequado à troca de acusações que tendem a resvalar para o campo pessoal. Própria da falta de argumentos e sem o condão de encontrar as melhores soluções, essa postura só atrapalha. Aplaudida e apoiada por todos de bom senso, a criação em 2004 do Conselho Nacional de Justiça é uma conquista da sociedade, que encarregou esse órgão de contribuir com o aperfeiçoamento do Judiciário, poder com o qual a cidadania não pode deixar de contar para o funcionamento da democracia. Mas nem mesmo o CNJ, que tem missão tão relevante, está acima da norma constitucional, pela qual cabe zelar o Supremo Tribunal Federal. Tampouco é conveniente ao regime democrático a prática do desrespeito e, pior ainda, da confrontação às deliberações da Justiça, menos ainda às de ministros da Suprema Corte do país. Não apenas por se tratar de liminares — às quais cabem respostas civilizadas no âmbito do tribunal — e que, portanto, não encerram o caso, mas principalmente pela importância dos órgãos envolvidos, sugere-se a retomada da moderação para que se mantenha a confiança da sociedade de que, mais uma vez, não faltará qualidade ao julgamento.